Título: A cadeia de valor da televisão digital
Autor: Juliano C. Dall´Antonia e Giovanni M. de Holanda
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Opinião, p. A14

Está em andamento um extenso estudo para definir qual o melhor modelo de TV digital a ser implantado no Brasil. Em vez de simplesmente escolher um dos três padrões internacionais, importando seu respectivo modelo de negócio, o governo brasileiro optou por um processo consistente de análise e reflexão. Primeiro, definiu que a evolução da televisão analógica para a digital deve trazer sólidos benefícios para sociedade. Entre eles, pode-se ressaltar a promoção da inclusão social, a criação de uma rede universal de ensino à distância e uma transição gradual e compatível com o poder de compra dos usuários. Depois, estabeleceu uma estrutura formal de decisão e de execução das ações necessárias à obtenção do Modelo de Referência do sistema de TV digital terrestre. Para tanto, criou o Comitê de Desenvolvimento e o Grupo Gestor, compostos de representantes de diversos órgãos da Administração Federal, e definiu o FUNTTEL como sua principal fonte de recursos. Por último, indicou o CPqD como uma das entidades de apoio técnico para a realização dos trabalhos de proposição e análise dos possíveis modelos brasileiros. Além dos estudos tecnológicos quanto ao padrão de transmissão, equivocadamente entendido por muitos como o ponto central e mais importante do trabalho, o processo de decisão está baseado na análise dos múltiplos fatores que poderão influenciar e direcionar essa transição. Para tanto, estão sendo empregadas abordagens socioeconômicas, tecnológicas e político-regulatórias cujo resultado intermediário será a identificação e descrição de diversas alternativas de modelos que poderão ser implantados no país. Posteriormente, análises de risco e de viabilidade permitirão classificá-las em função da maior adequação às necessidades do Brasil. A partir dessa classificação, o Comitê de Desenvolvimento preparará um relatório, a ser encaminhado à Presidência da República e relativo ao modelo de referência escolhido, que deverá descrever o padrão de transmissão, a forma de exploração do serviço e o modelo de implantação. Ao final de 2004, o Grupo Gestor avaliou e aprovou um estudo realizado pelo CPqD sobre o mapeamento da cadeia de valor do setor brasileiro de televisão aberta. Com o objetivo de identificar a participação e a inter-relação dos diferentes atores envolvidos e de caracterizar o fluxo e a distribuição de receitas ao longo de todo o processo produtivo, esse relatório foi produzido a partir de um levantamento de dados de mercado, de entrevistas em profundidade com representantes dos segmentos envolvidos e da identificação das relações dinâmicas entre os principais atores. A importância desse tipo de análise é indiscutível, pois a avaliação das conseqüências das alterações que poderão advir da migração para a TV digital depende da compreensão sobre como cada participante do setor atua e como estão estruturados seus modelos de negócios. Contudo, isso não é suficiente, pois é preciso considerar que as transformações futuras poderão ser profundas. Assim, foram construídos três cenários de longo prazo, adotando o princípio de "foresight", não com a intenção de se adivinhar o futuro, mas para definir ambientes e soluções hipotéticas por meio das quais seja possível avaliar os impactos de políticas e ações sobre os objetivos estabelecidos. Esses cenários procuram definir, em termos de mudanças, as duas situações-limite possíveis e uma intermediária, não radical.

Estudo analisa fatores que podem interferir na transição e o impacto da mudança sobre o setor de TV aberta

No primeiro cenário, denominado de incremental, não há uma ruptura significativa na atual cadeia de valor. Nessa situação, a introdução da TV digital é associada apenas a uma evolução tecnológica, baseada em um ambiente de monoprogramação, com qualidade de imagem em alta definição, e sem grandes conflitos com o presente marco regulatório. A mobilidade/ portabilidade é prevista, mas sem a possibilidade de apresentar programação diferente. O cenário diferenciação, considerado como intermediário, traz como conseqüência uma possível ruptura parcial da cadeia de valor atual, o que pode implicar na necessidade de alterações na legislação e na regulamentação. Nesse caso, há uma flexibilidade para as emissoras escolherem entre a monoprogramação em alta definição ou a multiprogramação em definição-padrão. Poderão ser adotadas a interatividade baseada em canal de retorno e a mobilidade/portabilidade com programação diferenciada. O terceiro cenário é o mais complexo e inovador, com alterações significativas na cadeia de valor, e que deve exigir modificações na legislação e na regulamentação. Denominado de convergência, é baseado em um ambiente multisserviço, cujo impacto é o aparecimento de novas oportunidades para provedores diferentes das prestadoras do serviço de radiodifusão. Nesse caso, a plataforma de TV digital poderá ser empregada para prover diferentes serviços, inclusive de telecomunicações. Esses cenários encerram as condições necessárias à elaboração das alternativas de modelos, cujos impactos serão avaliados à luz das três situações futuras. Dessa forma, será possível mensurar, por meio de simulações, os graus de sensibilidade e de adaptabilidade de cada alternativa a fatores internos e externos ao setor. Recentemente, o Grupo Gestor apresentou esse mapeamento e análise ao Comitê Consultivo, cujos representantes são de entidades relacionadas à tecnologia de televisão digital. O objetivo é obter, de maneira transparente, realimentação e validação das premissas e insumos que serão utilizados nas etapas subseqüentes de definição do Modelo de Referência do SBTVD - Sistema Brasileiro de Televisão Digital.