Título: Muitas alternativas antes do aeroporto
Autor: Bob Wollheim
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Empresas &, p. B2

Um amigo me contou outro dia que, numa palestra para empreendedores, o convidado do dia -- ilustre e respeitado empreendedor, diga-se de passagem - passou, em bate-papo já adiantado, a discorrer sobre as oportunidades empreendedoras que o aeroporto nos oferece. Confidenciou aos presentes que está até cuidando de seu visto, uma vez que é descendente de europeus. Disse que a coisa está ficando tão preta e que os prognósticos são tão pouco promissores que, sim, considera o aeroporto uma saída. Quando a história me chegou aos ouvidos, minha primeira reação foi de total indignação. Queria ter estado nesse papo. Queria encostar o falante audaz na parede. Queria ouvir aquele absurdo com os próprios ouvidos e poder discordar, questionar, indagar. E queria, claro, entender o que faz uma pessoa bem sucedida, com uma importante história empresarial no Brasil, exaltar as vantagens de ser descendente de europeus e poder fazer as malas por horizontes mais promissores na terrinha. Isso tudo aconteceu há mais de mês mas não me saiu da cabeça. Fritei no assunto. Passada minha ira com a irresponsabilidade da coisa toda - ou talvez seja apenas mais um discurso atravessado - e algumas conclusões me vieram à mente e que talvez expliquem (mas não justificam) tal deslize: 1) Empreender está - ao contrário do que lemos por aí - cada vez mais difícil, complicado, caro e desafiador. A sede por mais impostos e a gana por cobrá-los é crescente, a falta de capital (acessível e barato) é crônica e já histórica no país. A falta de incentivo para a meritocracia e para a iniciativa própria e individual parecem agora se somar às dificuldades anteriores e, para complicar tudo isso, o ambiente econômico é um grande mistério - onde está esse tal do crescimento é algo que ninguém soube me responder direito. Tudo isso acaba impondo desafios enormes aos malucos que resolver seguir caminhos próprios e, para quem olha de fora, criando uma sensação de que essa alternativa é complicada demais, exige riscos excessivamente altos e não "foi feita pra mim". Pena. 2) Vivemos há 2 anos, logo após a posse de Lula, um momento de enorme esperança. Mesmo quem não havia votado nele deu um voto de confiança, ficou esperançoso e achando que "dessa vez ia". Não foi. 3) Talvez estejamos vivendo por aqui um movimento que se assemelha ao que vimos acontecer nos EUA no universo corporativo nos últimos anos, onde as máscaras caíram e várias questões de ética, probidade administrativa e princípios, desmoronaram na nossa cara e nos escancaram coisas como Enrons, MCIs, etc. Por aqui estão desmoronando as instituições. Vejamos: Lula encobrindo corrupção (ou insinuando que o fez, numa boa), Severino dizendo que livra cachaceiro e infrator. Sem medo. Sem cutucada. Aumentos de impostos por MP no dia 31 de dezembro. O PT se aliando ao PP de Maluf, Severino. O próprio PT justificando várias atitudes se espelhando em FHC. A presidência da Fiesp - entidade que defende interesses claros de uma classe - eleita com apoio do planalto e, agora, entre a cruz e a espada. Defender quem? Só para citar alguns, pois a lista é longa.

A fila da imigração não é a melhor saída

Esses 3 fatores juntos - a dificuldade de empreender, a esperança totalmente frustrada e uma sensação generalizada de "vale-tudo" - têm deixado muitos empreendedores incrédulos, desanimados, cansados, esgotados. Vivemos um processo intenso de "excesso de promessas" (e agora nos encontramos perdidos na vida real, dura, sem recursos, sem perspectivas, ou seja um enorme momento de "não entrega". Talvez isso explique - justificar não justifica - um empreendedor de sucesso manifestar suas opiniões sobre o aeroporto de forma aberta e corajosa para 15 de seus pares que buscavam, ironicamente, informações, idéias, luzes para seus próprios negócios. Mas como o aeroporto não me saiu da cabeça, menos como uma opção pessoal e mais como uma provocação, uma inquietude, resolvi ir a campo e saber o que as pessoas pensam a esse respeito. Falei com vários empreendedores, de várias idades, credos, negócios, filosofias de vida, etc e pude comprovar que, como eu, ninguém enxerga as filas da imigração como alternativa para um futuro melhor. O futuro está aqui. Nosso país tem milhões de pessoas ávidas por crescer, por consumir. Somos um povo alegre, disposto, empenhado e determinado. Nos falta, é verdade, um pouco de auto-estima. E nos falta, totalmente, um senso íntimo de que a responsabilidade é nossa, de que podemos mudar isso se quisermos, de que não temos que aceitar que um governo gaste mais em viagens e passagens do que em saneamento, de que o empreendedorismo deve receber mais atenção e investimentos, de que o futuro do Brasil está nas mãos de quem gera emprego, renda e não de programas assistenciais que não funcionam e, finalmente, de que da mesma forma que barramos o aumento de salário dos Severinos da Câmara, podemos barrar outros absurdos e mudar o destino desse país. Quando tivermos esse senso, coletivamente, o aeroporto será sim uma grande saída, uma ótima saída para levarmos nossos produtos e nossas empresas multinacionais para esse mundão afora. Como empreendedor, sou otimista e penso que esse processo nos trará resultados positivos. A chamada "Corporate América" aproveitou os escândalos para se reinventar, mudando regras, práticas e reestabelecendo (aos poucos, é claro) os princípios e a ética. Podemos fazer o mesmo. Está nas nossas mãos.