Título: Novos Horizontes
Autor: Juan Garrido
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Valor Especial, p. F1

O conceito de "empresa genuinamente brasileira" vai, ainda que gradualmente, cedendo lugar para o de "empresa globalmente competitiva". Os analistas do processo de internacionalização das empresas brasileiras são unânimes em afirmar que o país vive um período único de crescimento dessa ofensiva no exterior. "Este é um momento muito rico sob o ponto de vista da adoção de novos modelos de negócios por parte dos empresários brasileiros", observa David Travesso, coordenador do programa Global Players, da Fundação Dom Cabral. Para ele, a internacionalização é algo indispensável para manter o crescimento e a saúde financeira. Segundo Travesso, o processo deverá ganhar corpo este ano. "Aqui dentro não há mais espaço para que muitas delas se expandam, pelo menos por enquanto", diz. Ele cita o caso da catarinense Weg, que detém 70% do mercado nacional de motores de baixa tensão e, como não consegue mais crescer no mercado doméstico, se alastra pelo mundo. Na visão de Júlio César Gomes de Almeida, diretor executivo do Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi), o principal fator que está levando as empresas a aumentarem investimentos diretos no exterior é o forte crescimento da geração de caixa. "Isso ocorre pela melhora da economia doméstica e também devido à exportação". Para ele, o fato de uma empresa ser grande exportadora é normalmente meio caminho andado para sua internacionalização. Ainda que as perspectivas internas continuem positivas em 2005, Almeida observa que não é predominante entre os empresários brasileiros o entendimento de que o crescimento sustentado tenha vindo para ficar. Ao passo que muitas companhias têm a percepção de que diversos países oferecem um crescimento alto e sustentado. "Não é de admirar que as empresas brasileiras estejam fincando posição lá fora, em locais que ofereçam formas mais estáveis de investimento visando abastecer os mercados globais." Segundo levantamento divulgado em dezembro pela Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), o investimento direto brasileiro no exterior deu um grande salto em 2004, atingindo a marca dos US$ 9,5 bilhões. Ainda que a Ambev, sozinha, tenha sido responsável por US$ 5 bilhões. Em 1995/1996 esses investimentos ficaram na média anual de US$ 1,3 bilhão, evoluindo para um patamar anual de US$ 3 bilhões após 1998. No Brasil, a Fundação Dom Cabral é parceira da Unctad e vem trabalhando há pouco mais de um ano no apoio a empresas brasileiras que já têm fábricas em outros países - ou se uniram a grupos estrangeiros -, e também no incentivo a empresários nacionais que queiram transformar-se em empreendedores globais. Representantes da Ambev, Embraco e Petrobras participam do projeto Global Players. Mesmo com o recorde de 2004, analistas como Reynaldo Passanezi, diretor de corporate finance do BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria), consideram que esse processo ainda está nos primórdios. Passanezi é conhecedor do gigantesco processo de internacionalização ocorrido na última década e meia na Espanha. Diferentemente da estratégia gradualista verificada em quase todos os países, o investimento das empresas espanholas saltou de US$ 250 milhões ao ano nas décadas de 1970 e 1980 para US$ 15 bilhões ao ano a partir de 1994 - quando começaram as grandes privatizações na América Latina -, mais de 60 vezes. "O investimento espanhol somou mais de US$ 150 bilhões desde 1994, quase 20% do PIB da Espanha", compara. No Brasil, os exemplos mais reluzentes de estratégias bem-sucedidas de internacionalização concentram-se em grandes empresas como Vale do Rio Doce, Gerdau, Votorantim Cimentos, Embraer e Odebrecht. As vantagens desse processo foram debatidas no seminário "Uma estratégia para o desenvolvimento", promovido pelo BBVA, em São Paulo, dia 11. Uma das empresas que se internacionalizaram, a Sadia, por exemplo, não tem planta no exterior. Para Travesso, com o atual modelo de gestão da companhia - com unidades grandes que funcionam com estruturas rígidas, próprias para produção em grande escala -, a empresa não terá problemas para instalar-se em outros continentes. Para o coordenador do Global Players, a internacionalização deixou de ser uma questão de escolha: é uma necessidade no mercado globalizado. Ele cita como exemplo desse avanço as grandes companhias - que há tempos fincaram bandeira em outros países - e que continuam fazendo aquisições externas. O caso do grupo Gerdau é emblemático. A companhia decidiu espalhar-se de alto a baixo pelo continente americano e nem mesmo o anúncio, em outubro de 2004, de que o empresário indiano Lakshmi Mittal comprara a siderúrgica International Steel Group, dando forma à maior siderúrgica do mundo (Mittal Steel Company), abalou o ânimo de Jorge Gerdau Johannpeter, presidente do grupo. A Mittal produzirá cerca de 60 milhões de toneladas anuais, o dobro de toda a produção brasileira em 2003. A resposta da Gerdau aos vaticínios de que a megacorporação estava mudando a correlação de forças na siderurgia, foi anunciar, dois meses mais tarde, um acordo para tornar-se acionista de duas siderúrgicas na Colômbia. "A formação de grandes grupos internacionais, como a Mittal Steel, apenas consolida a necessidade das empresas de se capacitarem para acompanhar a movimentação global", diz Jorge Gerdau.