Título: Desafio começa com construção da marca
Autor: Gleise de Castro
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Valor Especial, p. F2

Uma discussão que se faz é se o jogo da internacionalização é apenas para empresas grandes ou se há espaço para as pequenas e médias. O professor José Paschoal Rossetti, pesquisador da Fundação Dom Cabral, considera óbvio o fato de que empresas de maior porte, desde que vocacionadas culturalmente para exportar para megamercados - com boa estrutura, nível gerencial, qualidade de gestão e de processos - tenham muito mais vantagens para a internacionalização do que as menores. Ele lembra que, historicamente, as grandes empresas mundiais que acabaram se estabelecendo em outros países foram as que podiam exibir, além de capacidade de exportação, marcas próprias e fortes. "Uma vez reconhecidas as marcas nos países para os quais exportavam, essas empresas foram desembarcando com sua própria estrutura", conta. Para Rossetti, as marcas fortes que existem no Brasil "podem ser contadas nos dedos das mãos". O fato de o país não ser pródigo em grandes marcas, argumenta ele, é um obstáculo a mais para o estabelecimento de empresas brasileiras em outras partes. O roteiro eficaz para a internacionalização seria: primeiro a exportação de produtos com marca, depois a empresa, propriamente. "A média empresa enfrenta dificuldades não só pelo lado da estrutura e do processo de gestão, mas também pelo do processo de marca." David Travesso, coordenador do programa Global Players, da Fundação Dom Cabral, no entanto, acha que há espaço para a internacionalização das médias empresas. "E não só para as médias, como também para as pequenas", sustenta. Ele cita o caso das companhias de software, geralmente pequenas, que, ou já nascem globais, ou não alcançam sucesso. "Nesse setor de negócios o sujeito precisa ter capacidade competitiva para brigar com a concorrência de qualquer parte do mundo." Pela experiência de Travesso, outro segmento de pequenos e médios empresários que já nasce com um foco internacional é o de franquias. Segundo ele, as empresas franqueadoras de marcas podem até não pensar em entrar num jogo global amplo desde logo, mas precisam pensar pelo menos regionalmente, visando os países do Mercosul, por exemplo. Ele cita os casos de empresas como Habib´s, China in Box, Mundo Verde, Vivenda do Camarão e Wizard (de idiomas). "São todas empresas pequenas que estão entrando no processo de internacionalização quase que simultaneamente ao seu aparecimento no mercado brasileiro." Outro debate comum é se a internacionalização - ainda que muito interessante para as empresas e seus acionistas - traz vantagens reais para a economia brasileira e para o país de forma geral. Karl Sauvant, da Conferência das Nações Unidas para o Comércio e o Desenvolvimento (Unctad), acha que sim e diz que o governo brasileiro deveria se interessar mais em ter fortes empresas nacionais não apenas competitivas internacionalmente em casa, mas que sejam players globais. "Na verdade, o governo deveria pensar em fazer mais para apoiar o processo de internacionalização das empresas brasileiras e sua emergência no comércio global", observa. Na visão do professor Rossetti, porém, há um ponto de vista que não deve ser relegado. "À medida que as empresas brasileiras de maior porte investem pesadamente lá fora, pode haver uma redução de investimento no próprio país", diz. Fazer investimento direto no exterior pode ser muito positivo pelo lado das empresas e de seus acionistas. "Mas pelo lado do interesse nacional, se o processo apresenta aspectos positivos, tem também outros que deveriam ser mais questionados." Reynaldo Passanezi, diretor de corporate finance do BBVA (Banco Bilbao Vizcaya Argentaria), acha que a internacionalização tem mais vantagens que desvantagens. Para ele, não se trata de um monstro que rouba empregos que poderiam ser gerados no Brasil, nem representa fuga de capital e maior desvalorização da moeda nacional. "Ao contrário, trata-se de um movimento que fortalece a competitividade da empresa brasileira, permite maiores exportações e maior geração de empregos e, finalmente, não compromete o balanço de transações correntes do país." Ele admite, espelhando-se no que ocorreu na Espanha, que há, no início, um processo de saída de capital, ou seja, de recursos para compra de moeda estrangeira - o que pode pressionar a taxa de câmbio. Mas no médio e longo prazos há um processo reverso de recebimento de juros e dividendos dos investimentos realizados no exterior. "Na Espanha houve um movimento forte de saída de capital no começo, mas hoje os espanhóis têm uma conta de serviços extremamente superavitária." Travesso, de seu lado, acha que os aspectos positivos são mais que evidentes. Para ele, a internacionalização é boa para o país porque permite que os brasileiros tenham acesso a mais produtos e empregos competitivos. "Caso contrário passa a adquirir apenas produtos de pior qualidade e ultrapassados, ou seja, vai continuar sendo índio comprando o que sobra". Além do mais, diz ele, como internacionalizar já deixou de ser opção e é hoje uma realidade, o destino de quem rejeitar esse caminho é ser incorporado por alguém de fora, mais forte. "Mesmo empresas brasileiras competentes, robustas, lucrativas e bem posicionadas no mercado, mas que não são dotadas da tendência natural para competir mundialmente, acabam sendo compradas - basta ler os jornais." O coordenador do Global Players chama a atenção, no entanto, para o fato de que o país não está seguindo na mesma velocidade de suas empresas. Em sua opinião, se a área empresarial evolui e o país não, o risco que se corre é que, com o tempo, as corporações nacionais acabem indo embora do Brasil.