Título: Interesse pela China move consultorias
Autor: Gleise de Castro
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Valor Especial, p. F2
Um número cada vez maior de empresas brasileiras vem contratando os serviços de consultorias de grande porte, com amplas redes de escritórios no exterior, para se informarem sobre qual a melhor maneira de expandir seus negócios para outros países. A China, com suas altas taxas de crescimento econômico, é a estrela do momento. Nos últimos dois anos várias empresas, a maioria de médio porte, têm demonstrado interesse pelo mercado chinês. A Deloitte cita o caso de um cliente, fabricante de autopeças, que a procurou no fim de 2004 para se orientar sobre como proceder para operar na China. Essa empresa foi convidada por uma montadora européia, com operação no mercado chinês e da qual já é fornecedora, para fabricar os componentes de que necessita diretamente em solo chinês. A idéia é criar uma joint venture com uma empresa chinesa. O cliente da Deloitte recebeu um guia de negócios sobre o mercado chinês, com informações que vão desde o ambiente para investimento, as relações trabalhistas e até dicas para constituição de empresas, e passou a ser orientado diretamente pelo escritório da empresa de consultoria em Xangai. "Acompanhar o movimento dos clientes é um dos motivos que levam as empresas brasileiras a ter interesse por operações no exterior", diz Reinaldo Grasson de Oliveira, gerente sênior da área de corporate finance da Deloitte. "No caso da China, nossos clientes se defrontam com legislações trabalhistas, fiscais e outras muito diferentes. Até o trânsito no país obedece a regras particulares. Fazer uma operação na China é culturalmente muito diferente de operar na Argentina, México ou EUA." Também a KPMG registra dois casos recentes de interesse pelo país. Um de seus clientes, fabricante de bens de consumo duráveis, é parceiro há cinco anos de fabricantes de insumos chineses, os quais ingressam no Brasil na forma de CKD. Devido a problemas de qualidade com os insumos chineses, que muitas vezes tinham de ser devolvidos à China, a empresa montou um entreposto em território chinês para acompanhar de perto a produção dos insumos que são remetidos para o Brasil. Agora seu interesse é montar uma joint venture na China para a fabricação dos produtos finais a serem remetidos completos para o Brasil. Outra empresa, também cliente da KPMG, é fabricante de equipamentos e comprou uma pequena companhia chinesa para aprender a operar no mercado local e expandir seus negócios para outras linhas de produto. "Existe uma gama de empresas de porte médio que têm montado pelo menos um escritório de representação lá fora, na China ou outros países, que acaba virando uma empresa no futuro", diz Marcio Lutterbach, sócio de corporate finance da KPMG. "Essa é uma tendência que tem acontecido cada vez mais devido à necessidade de as empresas estarem presentes nos mercados onde atuam", observa. Fusões e aquisições constituem a forma mais freqüente de se ingressar no mercado internacional. Pesquisa da KPMG mostra que o número de empresas brasileiras que compraram empresas estrangeiras saltou de 42 em 2003 para 57 em 2004. Das operações fechadas no ano passado, 22 foram de compra de empresas estrangeiras sediadas no exterior e 35 foram de compra de companhias estrangeiras estabelecidas no Brasil. "É uma maneira muito mais rápida e eficiente de expandir negócios do que começar a partir do zero", diz Lutterbach. "Ela proporciona ganhos no cronograma de aprendizado da cultura local, uma vez que a empresa já pega uma operação em andamento, uma área de recursos humanos montada." Mas, para isso, a empresa brasileira tem de vencer dificuldades consideráveis. A principal delas é seu custo de capital, muito mais alto do que o das estrangeiras, seja quando toma empréstimo no mercado financeiro local, seja quanto ao custo do capital próprio. "Se uma empresa brasileira se propõe a adquirir uma empresa estrangeira e a diferença do custo de capital em relação a uma concorrente estrangeira for de quatro pontos percentuais, a empresa que tem custo mais baixo pode pagar pela empresa a ser adquirida até 50% mais do que aquela que tem custo de capital mais alto", diz Raul Beer, sócio líder da área de corporate finance da PricewaterhouseCoopers. "Essas aquisições são processos muito competitivos. Isso significa que para fazer uma aquisição dessas, se a empresa tem um custo de capital mais alto, precisa ser muito mais eficiente em outros aspectos do que os concorrentes porque senão não leva, já que os outros vão pagar mais." Há uma parte do custo de capital próprio de que as empresas brasileiras praticamente não conseguem se livrar, que é o risco Brasil. Outra parte vem tanto dos juros que as brasileiras pagam quanto do retorno exigido pelos seus acionistas, geralmente muito alto para padrões internacionais. Beer diz que a PricewaterhouseCoopers vem trabalhando junto a seus clientes formas de diminuir o custo de capital onde isso é possível, ou seja, descontando a parte do custo Brasil e dos juros. Entre as medidas recomendadas estão dar mais direito e liquidez às ações negociadas, adotar mecanismos de governança corporativa que dêem mais conforto aos acionistas, uma política de dividendos mais transparente e de recompra de ações, além de melhorar a forma de comunicação com o mercado. Tudo isso para melhorar a cotação das ações, hoje muito baixas se comparadas com as de empresas congêneres no exterior, e tornar as empresas brasileiras mais competitivas no mercado internacional de fusões e aquisições. "Com isso a empresa brasileira, embora não consiga empatar com as estrangeiras por causa do custo Brasil, pelo menos vai reduzir a diferença do custo de capital em relação a suas competidoras", diz Beer. Uma vez estabelecida no exterior, uma empresa brasileira passa a contar com a vantagem de até reduzir o risco Brasil. "Depois de determinado tempo, os agentes financeiros começam a perceber que o risco associado àquela operação se reduz porque uma parte significativa do negócio não está em território brasileiro e, portanto, não está sujeita ao risco Brasil", observa Beer. As diferenças culturais são outro gargalo. Elas englobam tanto novidades referentes à gestão empresarial quanto costumes e legislações distintos. "As principais dúvidas levantadas por nossos clientes referem-se à legislação fiscal e trabalhista, condições de constituição e de fechamento de empresas, repatriação de capitais e controles internos", diz Oliveira, da Deloitte.