Título: Gestão de RH é uma das dificuldades do processo
Autor: Marília de Camargo Cesar
Fonte: Valor Econômico, 15/03/2005, Valor Especial, p. F4

Se nos anos 90 o grande motivador dos investimentos das empresas brasileiras no exterior era o aproveitamento de benefícios dos paraísos fiscais, é nítido hoje que as novas razões estão diretamente associadas a ganhos de competitividade e ampliação de mercado. Uma pesquisa realizada pela Fundação Dom Cabral com 109 das 1.000 maiores companhias brasileiras revelou que elas investem recursos no exterior gradualmente, na medida em que adquirem conhecimento em internacionalização. A inserção feita dessa maneira reflete também a segurança proveniente da experiência adquirida sobre determinado mercado. De pouco mais de um ano para cá, a Dom Cabral acompanha a internacionalização de um grupo de grandes empresas, entre elas Multibrás, Natura, Sadia, Gerdau, Petrobras, Embraco, Weg, Tigre, Votorantim Cimentos e Ambev. A economista Erika Penido, da equipe técnica do programa Global Players, confirma que uma das principais motivações dessas dez empresas foi a do crescimento. "Muitas já tinham fatias importantes do mercado brasileiro e algumas não encontravam mais espaço para crescer aqui", conta. Outro fator impulsionador, segundo ela, foi a busca de economia de escala e a redução de custos fixos. Além disto havia a motivação da competição. Ou seja, as empresas queriam guerrear com os melhores do mundo e estar entre os líderes do mercado. E também, relacionada a essa, a motivação da aprendizagem. "As empresas entendiam que para que seus produtos e serviços passassem a ser realmente ´bons´ elas teriam que competir globalmente." Há casos notáveis, entre as dez, de importantes conquistas em termos de participação nos mercados globais. "A Embraco, por exemplo, conseguiu um 'market share' importante que permitiu que se tornasse líder global, com 25% do mercado mundial de compressores", destaca. Também na América do Sul, muitas delas conseguiram posições importantes como Multibrás e Tigre. "A Sadia conseguiu, inclusive, fatias importantes de mercado não só da América Latina, como do Oriente Médio", relata. Segundo Erika, dos R$ 5,85 bilhões de receitas totais da Sadia em 2003, R$ 2,66 bilhões foram de vendas no exterior. Algo que vem evoluindo sem parar desde 1994, ano em que as vendas totais foram de US$ 2,78 bilhões e as receitas do mercado externo ficaram em US$ 567 milhões. Em 2001, para R$ 4 bilhões de faturamento total, R$ 1,51 bilhão veio de fora. Em 2002, a relação foi R$ 4,68 bilhões no cômputo geral e R$ 1,95 bilhão de receita externa. A Sadia, mesmo sem unidades ainda no exterior, conta com escritórios comerciais na Argentina, Uruguai, Chile, Venezuela, Inglaterra, Alemanha, Itália, Rússia, Japão, China, Emirados Árabes e Turquia. A percentagem do faturamento que é auferida no exterior por essas empresas mostra bem o grande sucesso dessas incursões, em alguns casos. De tudo que a Embraco faturou em 2003, 84% veio do exterior. A empresa de compressores tem fábricas na Itália, Eslováquia e China e escritório de vendas e centro de distribuição nos EUA. Na Weg, fabricante de motores de baixa tensão, a receita externa chegou a 45% em 2003. A empresa catarinense tem fábricas na Argentina, México, Portugal e China, joint venture nos EUA e subsidiárias comerciais em 19 países. Sobre as dificuldades encontradas pelas empresas que se internacionalizam, Erika constatou que o principal desafio das dez foi a gestão de recursos humanos. Ela acha que é naturalmente difícil pensar globalmente, porque a dinâmica dos mercados globais é diferente da dinâmica local. Razão porque tem sido também difícil gerir a diversidade cultural, ou seja, incorporar perspectivas culturais diferentes ao abordar novos mercados e agregá-las ao modelo de gestão da empresa. Em seu trabalho de consultoria, Erika revela que entre as dez empresas acompanhadas, raramente há presença de estrangeiros tanto na direção executiva como no conselho. "Isso dificulta essa gestão da diversidade cultural", cita. Na sua visão, em termos de aprendizado, seria desejável que houvesse mais expatriados estrangeiros nas empresas brasileiras, e não só expatriados brasileiros nas unidades da empresa no exterior. Há, além disso, uma questão de trato delicado. Segundo Erika, em geral os expatriados brasileiros seguem rumo a outros países e depois são repatriados para o Brasil. "Essa é uma questão difícil de gerir, porque muitos desses expatriados, ao voltar, chegam com a expectativa de ascender na empresa e nem sempre há uma posição para eles aqui." Segundo David Travesso, coordenador do programa Global Players, a dificuldade de atração de estrangeiros para ocupar postos no primeiro escalão das empresas brasileiras passa não apenas pela questão cultural, mas pela legal. De qualquer forma, diz ele, o processo de internacionalização é longo e caro. "Sendo simplista, pode-se dizer que os desafios empresariais passam por dois eixos: o da estratégia e o da preparação das pessoas."