Título: Mercosul e UE devem adiar definição das melhores ofertas de cada lado
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2005, Brasil, p. A2

O Mercosul e a União Européia (UE) não deverão definir na semana que vem, em Bruxelas, quais são suas melhores ofertas para produtos agrícolas, industriais e serviços, que servirão de base para retomar a negociação birregional. A primeira reunião de coordenadores dos blocos, desde a fracassada tentativa de fechar o acordo no fim do ano passado, se concentrará na definição de parâmetros da negociação, segundo fontes do Mercosul. Isso significa elaborar um inventário dos obstáculos persistentes na discussão e os pontos nos quais cada lado julga prioritário se concentrar. O balanço será apresentado aos ministros na conferência birregional do dia 22 de abril em Assunção (Paraguai). Os ministros decidirão então se e como superá-los e o cronograma da retomada da negociação. Visto de Bruxelas, a expectativa na verdade era outra, depois que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva e o presidente da Comissão Européia, José Manuel Durão Barroso, anunciaram em Davos (Suíça) a intenção de voltar à mesa de negociação com base nas melhores ofertas feitas por cada lado. Após Davos, a Comissão Européia informou seus 25 Estados-membros que o encontro de Bruxelas serviria para esclarecer qual é a melhor oferta. É que os dois blocos por diversas vezes sinalizaram com maior abertura de seus mercados para as companhias e fornecedores do parceiro, mas verbalmente, sem chegar a colocá-las no papel. "Mas há uma grande diferença entre a vontade política demonstrada em Davos e a realidade das negociações", diz Sandra Rios, economista da Confederação Nacional da Indústria (CNI). "A semana que vem será um teste." Os europeus sinalizaram que gostariam que o Mercosul consolidasse sua oferta melhorada antes da semana que vem. Mas está claro no bloco que o acordo em Davos foi de Barroso com Lula e não com todo o Mercosul. Assim, o mais correto é que os ministros do bloco, e depois estes com os representantes europeus, decidam no encontro de alto nível em abril a base e cronograma da negociação. Em todo caso, a expectativa dos negociadores brasileiros, chefiados pelo embaixador Regis Aslanian, é de que a "condição impositiva" para a continuidade das negociações é com base nas ofertas melhoradas, ainda mais se há intenção de fechar o acordo até o fim do ano. Ou seja, só mesmo uma vontade de explodir de vez a negociação é que levaria cada lado a voltar à mesa de negociação com as mesmas propostas modestas de setembro de 2004, que provocaram um bloqueio nas discussões. Do lado da UE, uma das preocupações sobre o que virá a ser a melhor oferta do Mercosul envolve o setor automotivo. Numa primeira etapa da negociação, Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai ofereceram cota para a entrada de 25 mil carros europeus com tarifa de 10% (abaixo portanto dos 35% aplicados atualmente). Os europeus poderiam exportar carros para o bloco sem tarifas após dez anos. No entanto, o Mercosul retrocedeu quando constatou que Bruxelas não se moveria na parte agrícola. Em setembro, apresentou oferta empurrando o prazo de liberalização para 18 anos, dos quais nos oito primeiros não haveria nenhum corte de tarifa. Do lado do Mercosul, a questão é se a UE levará em conta como sua oferta agrícola melhorada o que prometeu oralmente, e que faz uma grande diferença. Por exemplo, a cota para frango passaria de 75 mil toneladas (a oferta escrita) para 250 mil toneladas (que foi a oferta verbal). A cota para carne de gado de 116 mil para 156 mil toneladas. Na reunião ministerial de Lisboa, em novembro do ano passado, a UE indicou a disposição (sempre verbal) de responder as preocupações do Mercosul em três pontos que envolvem as cotas para produtos agrícolas mais sensíveis: liberação mais rápida de toda a cota em vez de período de dez anos; flexibilidade na administração da cota, o que daria receita mais alta para o exportador brasileiro; e engavetar a idéia de colocar um limite às exportações extra-cota. Por sua vez, a UE centrou em Lisboa suas demandas em dois pontos: primeiro, só fecha acordo de região a região, o que leva o Mercosul a negociar entre seus próprios membros como a garantia de livre circulação de mercadorias no bloco. E segundo, Bruxelas insistiu que não aceita dar preferência (redução tarifária) para os produtos beneficiados pelo regime de "drawback". Por esse mecanismo, uma empresa tem isenção de imposto na importação de insumos para a produção de bens que serão exportados. A UE argumenta que quer dar preferência aos produtos que realmente venham do Mercosul, e não da China, por exemplo. E que aceitaria tratar desse mecanismo de forma separada por setor. Já a CNI, em recente reunião, alertou o governo brasileiro de que não abre mão do "drawback". Do contrário, teria que importar os insumos só da UE para ter a preferência, o que aumenta o custo das operações.