Título: Na África, vale até alugar telefone móvel por minuto
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2005, Especial, p. A14

Entre bancas de peixe seco e pilhas de artigos de plástico, há um contêiner marítimo vermelho repleto de garrafas de Coca-Cola. A distribuidora local que abastece o mercado de Soweto, estabelecida em uma área pobre de Lusaka, capital de Zâmbia, vende seu estoque inteiro em intervalos de poucos dias. Um carregamento completo custa 10 milhões de kwachas (cerca de US$ 2 mil). Em papel-moeda, pode ser difícil ter tanto dinheiro à mão: seria uma soma difícil de contar, já que se trata do equivalente a dez vezes o salário médio anual, e uma tentação para ladrões. Por essa razão, a Coca-Cola orienta seus 300 distribuidores na Zâmbia a pagar a renovação de estoque não em dinheiro, mas enviando mensagens de texto de seus telefones celulares. O processo leva cerca de 30 segundos e o motorista emite um recibo. Em locais distantes, computadores registram a movimentação do dinheiro e dos estoques. Não é somente a Coca-Cola que opera dessa maneira. Não muito longe do mercado, numa pequena empresa de lavagem de roupas a seco, a clientela também paga os serviços usando seus telefones. O mesmo ocorre nos postos de combustível da Zâmbia e em dezenas de lojas e restaurantes de maior porte. Esse é apenas um exemplo das diversas maneiras inovadoras pelas quais os telefones celulares estão sendo usados nas regiões mais pobres do mundo. Não faltam provas concretas da capacidade dos celulares em estimular as atividades econômicas: os aparelhos permitem que pescadores ou agricultores consultem os preços em diferentes mercados antes de vender seus produtos, facilitam a procura de empregos e evitam viagens desnecessárias. Telefones móveis reduzem custos de transações, ampliam as redes de negócios e podem ser a alternativa a dispendiosos transportes físicos. Os aparelhos são de especial valor quando outros meios de comunicação (como rodovias, correios ou telefones fixos) são deficientes ou inexistentes. Isso pode ser de difícil compreensão para pessoas que vivem em países ricos, porque o uso do celular no mundo pobre é muito distinto. Por exemplo, os celulares são amplamente compartilhados. Uma pessoa que vive num vilarejo compra um aparelho celular, possivelmente recorrendo a um empréstimo tomado de uma agência de microcrédito. Outros moradores, então, alugam seu uso pagando por minuto; a pequena margem de lucro permite a seu dono quitar o empréstimo e viver da atividade. Quando o telefone toca, o dono do celular leva-o à casa da pessoa chamada, que então atende a ligação. Outros empreendedores podem criar um serviço de recebimento e envio de mensagens de texto (geralmente mais baratas do que as chamadas de voz) em nome da clientela, possivelmente analfabeta. Assim, embora o número de telefones por cem pessoas seja baixo pelos padrões do mundo rico, eles fazem muita diferença. A forte demanda por telefonia móvel em países pobres é ilustrada pela expansão acelerada do número de assinantes. Em diversos países africanos abaixo do Saara, o crescimento da base de assinantes superou 150% no ano passado. Hoje existem oito telefones celulares para cada cem pessoas na África, em comparação com três em 2001. Números do Banco Mundial revelam que nos países em desenvolvimento as pessoas gastam uma proporção maior de sua renda com telecomunicações do que as que vivem no mundo rico. No entanto, essas são apenas evidências indiretas do impacto das telecomunicações móveis sobre o crescimento econômico. Afinal de contas, à medida que as pessoas enriquecem, elas passam a dispor de mais dinheiro para gastar em coisas como ligações telefônicas. Um novo estudo realizado por Leonard Waverman, da London Business School, e Meloria Meschi e Melvyn Fuss, da LECG, uma empresa de consultoria econômica, oferece a mais detalhada análise feita até hoje sobre a relação entre telefones celulares e crescimento econômico. (Esse foi um dos principais estudos apresentados em um seminário organizado pela Vodafone, maior operadora de telefonia celular do mundo.) Em um estudo anterior, publicado em 2001, Waverman empregou um modelo de "função de produção" para analisar o impacto das empresas de telecomunicações de linhas fixas no mundo desenvolvido, nas décadas de 70 e 80, uma era anterior aos celulares. Ele concluiu que os investimentos em telecomunicações incrementaram substancialmente a produção, levando em conta (mediante sofisticados testes estatísticos) o fato de que a demanda por serviços de telecomunicações cresce com o aumento do Produto Interno Bruto (PIB). A partir de então, outros pesquisadores tentaram aplicar a mesma abordagem à telefonia celular no mundo em desenvolvimento. Mas isso exige dados anuais detalhados, diz Waverman, nem sempre disponíveis; e mesmo quando os dados existem, os resultados não são robustos. Assim, ele e seus colegas experimentaram outra metodologia, empregando um modelo de crescimento endógeno, bastante utilizado para investigar diferenças em taxas de crescimento entre países. Os pesquisadores empregaram esse tipo de modelo para analisar o impacto das empresas de telecomunicações sobre o crescimento econômico em 92 países, ricos e pobres, entre 1980 e 2003. Os resultados confirmaram conclusões anteriores de Waverman sobre o impacto das operadoras de linhas fixas no mundo rico nas décadas de 70 e 80. O modelo também sugeriu que a subseqüente comercialização dos celulares no mundo rico produziu um benefício menor, embora ainda significativo. Nos países em desenvolvimento, porém, o dividendo do crescimento foi duas vezes maior - similar ao impacto das linhas telefônicas fixas no mundo rico na década de 70. Isso faz sentido, porque na maioria dos países pobres os celulares fazem parte das primeiras redes de telefonia largamente implementadas; nesses países há relativamente poucos aparelhos telefônicos de linhas fixas. De modo geral, o modelo de Waverman sugere que em um país em desenvolvimento típico um aumento de dez telefones celulares por cem habitantes aumenta o crescimento do PIB em 0,6 ponto percentual. Para ilustrar essas conclusões, Waverman toma como exemplos a Indonésia (nove telefones celulares por cem habitantes) e as Filipinas (27 telefones por cem habitantes). O crescimento de longo prazo nas Filipinas, sugere ele, poderá ser um ponto percentual superior ao da Indonésia, se esse diferencial for mantido. Mas, se a Indonésia eliminar a defasagem, sua taxa de crescimento igualará à das Filipinas. Waverman destaca, porém, que há um grande desnível educacional entre os dois países. O modelo de Waverman prevê que a eliminação desse diferencial aceleraria substancialmente a taxa de crescimento da Indonésia, ainda mais do que uma superação do desnível na taxa de uso da telefonia celular. "Os celulares são importantes, mas também o são a educação e o sistema de saúde", diz ele. "Muitos fatores são necessários para o crescimento." Ele conclui defendendo políticas regulatórias que favoreçam a competição e estimulem a disseminação mais rápida possível da telefonia móvel. Para as autoridades interessadas em eliminar o "fosso digital" para estimular o crescimento, a lição é clara - os celulares são o meio mais eficaz para isso. (Tradução de Sergio Blum)