Título: Subsídios 'racham' Congresso dos EUA
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 16/03/2005, Agronegócios, p. B12
As mudanças nos subsídios agrícolas propostas no Orçamento do governo americano para 2006 estão recriando uma "guerra civil" no Congresso do país. Na própria bancada ruralista, de um lado estão os representantes do Sul, cujas fazendas dependem mais dos subsídios, e do outro os fazendeiros do Nordeste e do Meio-Oeste, que seriam menos atingidos por eventuais cortes. A discussão não envolve a tradicional divisão partidária, mas um racha geográfico. Até porque nos Estados do Sul o algodão é mais forte, e os subsídios concedidos por Washington ao produto foram recentemente condenados na Organização Mundial do Comércio (OMC) em disputa aberta pelo Brasil. Oficialmente, o USTR afirma que a condenação terá de ser submetida ao Congresso. Mas especialistas vêem na proposta de orçamento para o ano que vem sinais que já refletem reação à decisão. São três as mudanças no pagamento de subsídios agrícolas incluídas no orçamento de 2006. A mais importante delas, e que analistas relacionam à decisão do algodão na OMC, é a que propõe que os pagamentos de equalização de preço mínimo sejam feitos com base em níveis históricos de produção, não em patamares atuais. Esse programa de subsídios, o "Loan Deficiency Payment" (pagamento da diferença de empréstimos), é considerado o mais distorcivo ao comércio e está inserido na chamada "caixa amarela" nas negociações da OMC. Esse programa paga ao produtor a diferença entre o preço obtido na exportação ou no mercado local e o preço mínimo fixado pelo governo. No caso do algodão, esse preço é US$ 0,52 por libra-peso, e como o preço internacional está em US$ 0,40, o produtor recebe US$ 0,12. "Será uma grande mudança fazer esse pagamento pelos níveis históricos de produção, não pelos atuais. Estima-se que a mudança seja capaz de reduzir esse tipo de pagamento em até 35%", afirma Alan Gray, professor de economia agrícola da Purdue University. Embora não seja considerado diretamente um subsídio à exportação, por se tratar de um pagamento ao produtor, na prática o "Loan Deficiency Payment" funciona como tal no caso de culturas com grande participação no mercado externo. No algodão, a diferença é gigantesca e só estimula o crescimento de produção subsidiada. É contra essa medida que o lobby do algodão no Congresso americano concentra os esforços. O mesmo programa é usado para soja, milho, carne e outros produtos dos Estados Unidos competitivos no mercado internacional. "O caso contra o algodão na OMC é brilhante porque, a bem da verdade, não há um programa específico para o algodão, mas uma legislação agrícola que cria subsídios para commodities. Nesse sentido, embora a utilização seja diferente, o mecanismo é o mesmo para várias commodities. Vários grupos reconhecem isso", diz Gray. "É apenas uma questão de tempo para que cheguem à OMC casos contestando apoios ao arroz, soja e outros", acredita Ken Cook, presidente do Environmental Working Group (EWG), entidade sem fins lucrativos que criou um banco de dados sobre subsídios agrícolas. As duas medidas mais discutidas no Congresso, mas que teriam impacto internacional menor, são o corte generalizado de 5% no total de subsídios pagos aos agricultores em geral e a redução do limite máximo de subsídio por fazenda de US$ 360 mil para US$ 250 mil. O limite aos produtores também é combatido pelos fazendeiros do Sul, que têm propriedades normalmente maiores, mas teria impacto menor sobre os níveis de produção. "Não adianta só reduzir o limite total, é preciso eliminar brechas na legislação que permitem a criação de três diferentes empresas para uma mesma fazenda receber subsídios", afirma Liz Moore, do EWG. Moore lembra que as mudanças em discussão são consideradas um "ensaio" para a reformulação completa da política agrícola ("Farm Bill") dos Estados Unidos, prevista para 2007. Em 2002, o Executivo participou pouco da discussão da política agrícola, deixando os lobbies à vontade para elaborar o texto. Naquela época também havia lideranças experientes no Comitê de Agricultura da Câmara dos Deputados, que praticamente comandaram as negociações. Os deputados são tradicionalmente mais ligados a interesses locais, e o presidente do Comitê na época, Larry Combest, foi contratado por representantes do lobby agrícola para combater a prevista mudança na legislação. Combest é ex-proprietário de uma fazenda de algodão no Texas e considerado o grande articulador das mudanças de 2002, que elevaram os subsídios. Para 2007, os integrantes do Comitê de Agricultura do Senado, menos ligados a interesses locais, devem ter mais poder na elaboração da lei. Isso além da maior presença do Executivo no processo. A grande ausência na proposta de mudança da legislação americana foi o "Step 2", programa que garante pagamento das diferenças de preço aos compradores do algodão americano e considerado subsídio à exportação. Só o "Step 2" pagou aos fazendeiros de algodão US$ 476 milhões em 2003. Embora o apoio à soja e ao algodão utilize essencialmente a mesma legislação nos EUA, o nível de apoio no Sul, que tem fazendas maiores, é mais elevado. Só em subsídios e compensações pagos por desastres naturais de 1995 a 2003, alguns distritos dos Estados do Texas, Arkansas e Mississipi receberam mais de 60% do valor total das propriedades rurais. No caso do algodão, a grande diferença entre o preço garantido e o de mercado faz com que o pagamento máximo seja atingido com uma fazenda de 800 acres. Como proporcionalmente o subsídio é menor para soja e milho, fazendas do Meio-Oeste só atingem os US$ 250 mil máximos em uma área de 3 mil acres. Até outubro, a votação do Orçamento deverá sinalizar as efetivas mudanças na legislação agrícola para 2006. Para 2007, entretanto, tudo vai depender dos resultados da Rodada de Doha da OMC.