Título: País cresce 5% mesmo com juro real acima de 10%
Autor: Sergio Lamucci
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2005, Brasil, p. A4

A economia brasileira terminou 2004 com uma façanha: o Produto Interno Bruto (PIB) cresceu algo como 5%, apesar de os juros reais terem pulado de 8,55% em janeiro para a casa de 11,2%, na comparação da taxa de juros de um ano com a inflação esperada em 12 meses. Para 2005, a expectativa é de expansão ainda razoável do PIB, entre 3,5% e 4%, ainda que o ano tenha começado com taxas reais elevadíssimas. A resposta para esse aparente paradoxo não é simples, mas, segundo analistas, passa pelo fato de que pelo menos as grandes empresas conseguem driblar esse alto custo de capital, seja por investir com recursos próprios, seja pelo acesso a fontes mais baratas de financiamento, como os recursos Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) e captações externas. Além disso, em ciclos de retomada da economia, o consumidor brasileiro se dispõe a tomar empréstimos e financiamentos, a despeito do nível dos juros. A questão é que, para manter um crescimento sustentado a taxas mais elevadas, e por períodos dilatados, será indispensável reduzir os juros reais, como diz o professor Francisco Eduardo Pires de Souza, do grupo de conjuntura da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Souza nota que o grau de endividamento das empresas brasileiras é relativamente baixo, como mostra a relação entre o volume de crédito e o PIB, de 26%, bem abaixo dos 64% do Chile e dos 115% da Coréia do Sul. Isso indica que as companhias brasileiras investem muito com recursos próprios, uma maneira de driblar os altos juros bancários. Em novembro, por exemplo, a taxa média de financiamentos para empresas ficou em 30,9% ao ano. Souza lembra que outra opção das empresas para fugir dos juros altos são os empréstimos do BNDES, que têm como referência a Taxa de Juros de Longo Prazo (TJLP), de 9,75% ao ano. O ex-presidente do Banco Central (BC) Gustavo Loyola, sócio da Tendências Consultoria Integrada, também ressalta a importância do investimento com capital próprio na economia brasileira. E, além dos recursos do BNDES, há a alternativa de captar no mercado externo, lembra Loyola.

Em 2004, muitas empresas optaram por repagar suas dívidas no exterior, mas é uma opção mais barata e atraente principalmente para quem tem receitas em moeda forte, como as exportadoras. Faturamento em dólar é uma proteção contra as oscilações do câmbio. O rendimento de um bônus de dez anos da Companhia Siderúrgica Nacional (CSN) está na casa de 8,5% ao ano. Isso indica que, se a empresa quisesse captar recursos no exterior por esse prazo, pagaria uma taxa próxima a 8,5%, mais a variação cambial. O economista Armando Castelar, do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da UFRJ, destaca outro ponto que sustenta o crescimento a um ritmo razoável mesmo com juros reais elevados: a disposição do consumidor brasileiro de se endividar em ciclos de recuperação da atividade econômica em que há perspectiva de aumento do emprego e da renda, mesmo que os encargos financeiros sejam altos. Nos 12 meses encerrados em novembro, por exemplo, o volume de crédito pessoal cresceu 41,1%, o financiamento de bens (excluindo carros), 38,1% e o de veículos, 26%, de acordo com análise do Bradesco feita partir de informações do BC. Isso ocorreu apesar de a taxa média das operações de crédito para a pessoa física ser muito elevada - 63,4% ao ano. Vale a penar notar, porém, que houve um significativo crescimento dos empréstimos com desconto em folha de pagamento, que têm juros menores, abaixo de 40% ao ano. Castelar afirma que, por motivos que ainda não são muito claros, o consumidor brasileiro prefere pagar juros estratosféricos em vez de adiar a compra por alguns meses. Mas, independentemente da motivação, essa disposição impulsionou o aumento significativo das vendas de bens duráveis, como automóveis e eletroeletrônicos, a partir do terceiro trimestre de 2003. Esses fatores ajudam a explicar por que o país consegue crescer a um ritmo razoável mesmo com juros elevados. Mas os analistas advertem que, sem reduzir significativamente os juros reais, o Brasil não vai ser capaz de manter um processo longo e sustentado de expansão da economia a taxas mais robustas. Souza afirma que, se persistir o cenário atual, o volume de crédito como proporção do PIB não vai aumentar de forma relevante, dificultando o avanço da atividade econômica a uma velocidade maior. "O processo de crescimento sustentado por muitos anos não é compatível com juros reais tão altos", afirma ele. Castelar lembra, por exemplo, que pequenas e médias empresas não têm o mesmo acesso que as grandes a recursos mais baratos. Isso faz a economia perder dinamismo, pois as companhias de menor porte enfrentam no custo de capital um grave obstáculo para a expansão de suas atividades. Além disso, a contribuição dos consumidores para sustentar o crescimento também pode ser limitada: se os encargos financeiros permanecerem altos e não houver uma recuperação mais rápida da renda, a capacidade de endividamento acaba por se esgotar. A estratégia mais indicada para reduzir o nível dos juros reais divide os analistas. O professor Márcio Garcia, da PUC-Rio, avalia que o mais importante é enfrentar o desequilíbrio estrutural das contas públicas. O fundamental, segundo ele, é perseverar no esforço fiscal, por meio de superávits primários elevados, mas com mudança importante: a principal prioridade deve ser o corte significativo de gastos públicos. Com isso, a relação dívida/PIB - que caiu de 57,2% em 2003 para 51% a 52% em 2004 - seguiria em queda, fazendo com que o governo absorva uma parcela menor da poupança privada. Nesse quadro, haveria mais espaço para a queda dos juros. Castelar também avalia que esse é o melhor caminho para derrubar os juros reais. Ele considera ainda que seria importante reduzir os tributos que incidem sobre as aplicações financeiras, como o Imposto de Renda e a CPMF. A cunha fiscal elevada acaba por impor um piso alto para a Selic, afirma Castelar, devido à necessidade de garantir um rendimento atraente ao aplicador e evitar uma fuga de recursos para ativos reais, por exemplo. Para outros analistas, porém, um dos grandes problemas é o excessivo do rigor do BC na condução da política monetária, motivado em grande parte pela definição de metas de inflação muito baixas. Souza, por exemplo, vê um cenário benigno para a inflação em 2005. Para ele, as commodities, que pressionaram os índices de preços em 2004, vão ficar em níveis mais baixos no ano que vem. Além disso, como o investimento está aumentando, a capacidade produtiva da economia vai ser ampliada, o que torna pequeno o risco de pressões inflacionárias devido ao estrangulamento da oferta. A avaliação do BC sobre a inflação, porém, é menos otimista. Com a firme determinação da autoridade monetária de cumprir a meta ajustada de 5,1% neste ano, os juros reais devem permanecer em níveis altos ao longo da maior parte de 2005. A Selic subiu de 16% em setembro para 17,75% ao ano em dezembro, e deve aumentar mais 0,5 ponto percentual em janeiro. Parece difícil, nesse cenário, que o juro real volte a cair significativamente nos próximos meses. Com isso, tudo indica que a taxa de 8,55% registrada em janeiro, a menor em 10 anos, está distante.