Título: Dólar sobe, mas déficit ainda preocupa
Autor: The Economist
Fonte: Valor Econômico, 05/01/2005, Finanças, p. C3

Prever as taxas de câmbio, alerta Alan Greenspan, o presidente do Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos, apresenta uma possibilidade de sucesso que não é melhor do que acertar um "cara ou coroa". Mas o dólar continua dando "coroa". No começo de 2004, detentores da moeda americana tinham que se desfazer de US$ 1,25 para comprar 1 euro. No fim do ano, eles estavam se desfazendo de quase 12 centavos mais. Na quinta-feira, 30 de dezembro, em Nova York, era preciso quase US$ 1,37 para comprar 1 euro - recorde de baixa para a moeda americana pelo sexto pregão seguido. No início deste ano, o dólar reagiu e ontem teve sua maior alta desde agosto de 2004 - fechou a 1,3279 por euro, com valorização de 1,39% em relação a segunda-feira. O motivo foi o crescimento da produção industrial dos EUA, que alimentou o otimismo de que a economia americana superará a dos 12 países da zona do euro pelo quarto ano seguido. A causa da desvalorização do dólar em 2004 não é nenhum mistério: os investidores privados estão menos dispostos a financiar o enorme déficit em conta corrente dos EUA. O déficit aumentou ligeiramente no terceiro trimestre de 2004, para o recorde de US$ 165 bilhões, equivalentes a 5,6% do PIB naquele período. Esses déficits recordes estão contribuindo para as dívidas externas dos EUA a uma taxa alarmante. Mas, até agora, os EUA vêm ganhando mais com seus ativos estrangeiros do que pagam em obrigações externas.

Isso está para mudar. Com as taxas de juros subindo, refinanciar a dívida americana vai ficar mais caro. O Goldman Sachs prevê que a entrada líquida de investimentos estrangeiros deverá mudar para um déficit considerável durante 2005, crescendo depois disso. O banco de investimento estima que se o déficit em conta corrente dos EUA continuar firme enquanto porcentagem do PIB e as taxas de juros ficarem em média em 5%, os pagamentos líquidos do serviço da dívida externa vão atingir 4% do PIB até 2020 - um dreno considerável no padrão de vida americano. Para evitar pagar somas tão grandes aos estrangeiros, os EUA vão ter de depender mais de sua própria poupança interna e menos das poupanças importadas. O país como um todo poupou só 1,7% da renda nacional nos primeiros nove meses de 2004. Nos lares americanos, a poupança foi de apenas 0,7% da renda. A queda do dólar poderá forçar os EUA a abraçarem a frugalidade, argumenta o Goldman Sachs. Com o dólar caindo, os estrangeiros vão demandar mais produtos americanos. Isso pressionará a indústria de transformação, que já está operando a 78% de sua capacidade produtiva. Com a oferta ampliada, pressões inflacionárias surgirão. O Fed vai aumentar os juros, contendo a demanda doméstica e assim criando espaço para um boom de exportações. Desse modo, os juros mais altos vão promover a poupança tão necessária para os EUA. Esse processo mal começou. Nos últimos dois anos, o dólar perdeu quase 23% de seu valor ante o euro. Mas caiu menos de 13% ante uma cesta mais ampla de moedas, e não perdeu nenhum centavo em relação à moeda da China, o yuan. Para efeito de política oficial, a moeda chinesa permaneceu dentro de uma banda apertada, cotada a 8,28 yuan por dólar nos últimos dez anos. Prever a intenções das autoridades monetárias da China pode ser na verdade mais difícil do que acertar um "cara ou coroa". Mas muitos estão tentando. Mercados offshore, por exemplo, permitem aos especuladores fazerem apostas sobre o valor do yuan num período de 12 meses., No momento, os apostadores avaliam que você vai conseguir apenas 7,8 yuan por 1 dólar neste mesmo período do ano que vem. Contra o iene, o dólar está na verdade ligeiramente mais forte do que no fim de novembro. O Banco do Japão não intervém nos mercados de câmbio desde março, mas a possibilidade de que ele venha a fazer isso persiste. O ministro das Finanças do Japão, Sadakazu Tanigaki, alertou que as autoridades de seu país iriam monitorar os mercados de câmbio na passagem do ano, período em que o número de negócio é pequeno e uma compra oficial pode fazer uma grande diferença. Se o dedo do Japão está no gatilho, o Banco Central Europeu (BCE) parece preparado para permanecer estático. Jean-Claude Trichet, o presidente do BCE, já conviveu com moedas fortes antes. Como presidente do banco central da França nos anos que precederam a introdução do euro, ele foi apelidado de "aiatolá do franco forte", por seu apoio irredutível a uma moeda nacional forte. De fato, durante a maior parte de 1995, uma cesta ponderada composta do franco e outras 11 moedas que formaram o euro esteve avaliada quase no mesmo nível em que o dólar se encontra agora. Em suas entrevistas à imprensa, Trichet tem deixado claro que as altas recentes da moeda única não são bem-vindas. Mas ele vem se prendendo mais no perigo dos aumentos dos preços da energia. Sua principal obrigação, da maneira como ele vê, é convencer empresas e trabalhadores de que a inflação vai continuar sob controle, apesar do repique nos preços do petróleo no quarto trimestre de 2004. É um jogo de confiança: se ele conseguir convencê-los de que não vai haver uma espiral inflacionária, então não vai haver. Na verdade, o euro forte vai contribuir para a sua credibilidade ao conter os preços das importações. Além disso, os homens fortes do dinheiro forte acreditam que moedas fracas tornam a vida fácil demais para as empresas e os políticos. Desvalorizar a moeda cria uma alternativa insatisfatória à desregulamentação e reestruturação da economia.