Título: Citigroup vence disputa com Dantas em Nova York
Autor: Tatiana Bautzer
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2005, Brasil, p. A6

A Justiça americana determinou ontem que o executivo Daniel Dantas formalize imediatamente na junta comercial das Ilhas Cayman a destituição do Opportunity como gestor do fundo CVC internacional, a pedido do Citigroup. O banco americano é o único cotista desse fundo e anunciou na semana passada a decisão de romper com o Opportunity. O tribunal de Nova York também proibiu a destruição de documentos do fundo, controlador da Brasil Telecom (BrT), entre outras empresas. Dantas recusava-se a entregar os papéis em Cayman alegando que isso infringiria leis brasileiras. De acordo com o juiz Lewis Kaplan, do Tribunal Distrital Federal de Manhattan, Dantas deve fazer a transferência porque concluiu que o Citigroup está "sob ameaça de dano irreparável" aos investimentos de cerca de US$ 750 milhões feitos por meio do fundo, seja por venda de ativos ou de registro de transações. O Citi, segundo o juiz, perdeu a confiança em Dantas por razões "que não são triviais". Depois de duas horas e meia de audiência, o juiz não foi convencido pela argumentação do Opportunity e reiterou a proibição de prosseguir com a venda de participações nas empresas Telemig Celular e Tele Norte Celular - que havia sido anunciada pelo banco carioca há duas semanas. Mas a nova liminar foi mais abrangente restringindo os poderes de Dantas, afirmando que o Opportunity não pode fazer nenhuma transação que não seja rotineira ou que envolva o banco ou qualquer pessoa ligada ao grupo. A liminar proíbe ainda documentar qualquer transação com o Opportunity, destruir arquivos do CVC, bloquear o acesso do Citigroup aos documentos ou tentar interferir no processo de remoção de Dantas e do Opportunity como administrador. Nas considerações finais, o juiz rejeitou a argumentação feita pelo advogado de Dantas, Joseph Pizzurro, do escritório Curtis, Mallet-Prevost, Colt & Mosle, de que transferir o controle das empresas para o fundo International Equity Investments (Citigroup) infringiria a legislação brasileira e daria margem para cassação das concessões das empresas de telefonia pela Anatel. "A possibilidade de que o réu seja condenado em qualquer tribunal do mundo civilizado por registrar um papel em Cayman aproxima-se de zero", disse o juiz nas considerações finais, depois de ouvir a argumentação de um dos advogados contratados por Dantas, que alegou que a mudança de controle poderia afetar seriamente a Brasil Telecom, e prejudicar outros litígios que o Citi e a Telecom Italia têm contra o Opportunity. Também foi rejeitado o pedido para dar um prazo maior a Dantas ou esperar uma manifestação oficial da Anatel. A defesa de Dantas argumentou que o próprio Citigroup já teria contatado a agência sobre o assunto. Ao aumentar a restrição aos poderes do Opportunity até que seja efetivada a troca do controle, Kaplan atendeu à argumentação do advogado do Citigroup, Howard Zelbo, do Cleary, Gotlieb, de que o investimento do banco americano estava em risco. Zelbo citou na audiência uma carta do Deutsche Bank, que recebeu um mandato para a venda das participações nas empresas de telefonia celular. A carta não afirmava categoricamente que o processo de venda havia sido interrompido, argumentou Zelbo, embora dissesse que não houve mais informações sobre o processo aos interessados. Considerando a possibilidade de prejuízo econômico a Dantas, o juiz determinou o depósito de US$ 50 mil pelo Citigroup para eventual compensação por prejuízos. O valor foi fixado considerando a hipótese de imposição de uma multa às empresas ou a Dantas por mudar o controle sem prévia aprovação da Anatel. A porta-voz do Citigroup, Shannon Bell, disse que o banco está "satisfeito com a decisão". Não está clara qual seria a conseqüência para Dantas de descumprir a decisão judicial, que é liminar. O mérito deve ser divulgado nos próximos dias. O juiz demonstrou impaciência com a argumentação da defesa de Dantas de que a mudança de controle das empresas de telefonia traria a possibilidade de ações judiciais de minoritários, cassação da concessão ou multas. "Não tenho dúvidas de que o seu cliente é uma pessoa que tem habilidade de conseguir as coisas no Brasil, por isso que o Citigroup o contratou. Mas talvez tenha a habilidade de criar todos os tipos de bloqueios, discussões e incertezas. Não posso confiar nessas inferências. O ônus de comprovar é do grupo que está movendo a ação, mas como cresci numa delicatessen em Nova York, e desenvolvi a habilidade para detectar enrolação , é isso que me parece." "Isso parece um assalto", disse o juiz à equipe de advogados do Opportunity. "O que vejo aqui é que seu cliente quer uma compensação para sair quieto do negócio", acrescentou. "Não há defesa aqui", afirmou. Pizzurro disse que Dantas estava sendo caracterizado com "preconceito" pela parte adversária e que o executivo é respeitado no Brasil. Nas considerações finais, o juiz disse que em nenhum momento considerou que Daniel Dantas ou o Opportunity "não estejam agindo de boa-fé" e que se referia apenas às hipóteses aventadas pela defesa sobre danos que seriam causados ao réu com a efetivação da troca de controle. Fontes ligadas ao Opportunity afirmam que o banco tinha a convicção de que seria destituído do comando do CVC. Por isso, a equipe de Dantas já preparou uma estratégia alternativa para tentar se manter no comando da Brasil Telecom. A cartada principal deverá ser o adendo feito por Dantas, em setembro de 2003, ao acordo de acionistas do Opportunity Zain, empresa de participações que controla indiretamente a BrT. A cláusula diz que, em caso de troca no controle do gestor do fundo, todos os acionistas do Zain deveriam acompanhar o voto do Opportunity Fund, embora ele tenha participação inferior a 10% no capital dessa empresa. O Opportunity Zain é controlado pelo CVC e pelos fundos de pensão (antigo CVC local). O acordo está sendo questionado na Justiça pelas fundações. No entanto, é uma das armas que o Opportunity deverá usar. "Mas isso será facilmente derrubado", afirma um interlocutor que acompanha de perto a briga com o Citigroup. Na avaliação de advogados ouvidos pelo Valor, além de ser abusivo, o o adendo não foi assinado pelos fundos, mas pelo próprio Opportunity quando ainda era gestor do CVC local. "É um acordo dele com ele mesmo", diz um advogado. O Opportunity tem ainda outra opção em vista para se manter vivo na operadora de telefonia, usando para isso a complexa estrutura societária da empresa. Dantas é o principal acionista da Timepart, controlador da Solpart, que pode sua vez é majoritária na holding da BrT. No entanto, é uma estratégia frágil. O acordo de acionistas da Solpart permite que as ações preferenciais da empresa sejam convertidas em ordinárias. Assim, a participação da Timepart seria diluída e ela perderia o controle. A Angra Partners, atual gestora do antigo CVC local, comemorou ontem a vitória do Citibank em Nova York. "A destituição do gestor do fundo estrangeiro é um passo fundamental e o que nós acreditamos é que, dada a participação total dos fundos de pensão e do Citigroup, vão prevalecer os interesses desses acionistas a despeito das barreiras que poderão ser criadas pelo outro sócio", avalia Pedro Paulo de Campos, sócio da Angra. A administradora de recursos intermediou, junto com o escritório de advocacia Mattos Filho, negociações com o Citigroup que culminaram num acordo de acionistas divulgado na semana passada e que prevê a gestão compartilhada das empresas entre os fundos de pensão e o banco. O próximo passo, de acordo com o executivo da Angra é adotar os procedimentos societários para assumir a gestão das companhias. A primeira medida deverá ser a convocação de assembléias nas primeiras estruturas da complexa árvore societária que fazem parte dos fundos CVC. O Opportunity informou que não comentaria a decisão da Justiça nova-iorquina e não revelou se irá recorrer. A decisão do Opportunity de colocar à venda a Telemig Celular e a Tele Norte Celular sem consultar os sócios foi a gota d'água. O Citigroup se irritou com o anúncio unilateral feito pelo banco carioca, no fim da tarde de sexta-feira, dia 4 deste mês. O rompimento com o Opportunity foi oficializado na quarta-feira da semana passada. Foi a expressão mais evidente de uma crise que começara meses antes. O relacionamento entre o Citigroup e o Opportunity já não era bom e os primeiros sinais de desgaste começaram a ficar evidentes no ano passado. Segundo fontes que acompanham o caso, a parceria com o Opportunity estremeceu depois da crise que levou os fundos de pensão a destituírem o banco carioca da gestão do antigo CVC nacional, em outubro de 2003. Desde então, as fundações vinham tentando persuadir o Citigroup a fazer o mesmo. Num documento com data de 12 de maio, ao qual o Valor teve acesso, o banco americano manifestava a intenção de vender ativos do CVC. Também indicava que não pretendia renovar o contrato do fundo, que vence em setembro deste ano. Em novembro, o Citigroup fechou um acordo com o empresário Luís Roberto Demarco que permitiria ao banco vender os ativos do CVC. O entendimento era necessário porque Demarco - ex-funcionário do Opportunity que trava uma batalha judicial com Daniel Dantas - havia conseguido duas liminares na Justiça de Cayman impedindo mudanças na estrutura do fundo. (Colaboraram Talita Moreira, Michelly Teixeira, Catherine Vieira e Heloisa Magalhães, de São Paulo e do Rio)