Título: EUA propõem tarifa zero para agrícolas
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 18/03/2005, Especial, p. A12

Os Estados Unidos propuseram ontem acordos setoriais na negociação agrícola da Organização Mundial de Comércio (OMC), envolvendo alguns produtos de especial interesse exportador do Brasil, como carne bovina, de frango e de porco. Em um acordo setorial, os participantes eliminam suas tarifas para determinados produtos, em vez de apenas reduzí-las, com o objetivo de abrir mais o comércio. Para a negociação agrícola, os países começam a explorar algo além: cortar também mais do que normalmente os subsídios domésticos para os mesmos produtos. A proposta americana foi apresentada na sessão especial de negociação agrícola e coincidiu com um novo fiasco ontem na negociação: os países não conseguiram chegar a um entendimento sobre como converter tarifas específicas (expressa em dólar por tonelada) de produtos mais sensíveis, como açúcar, tabaco, carnes - todos de interesse do Brasil - em tarifa "ad valorem" (em percentagem). Sem isso, não dá para negociar a fórmula para reduzir tarifas de produtos agrícolas. Com sua iniciativa (de zerar a tarifa de determinados produtos), os Estados Unidos indicam ver pouca chance de a Rodada Doha melhorar acesso aos mercados só pelo corte de tarifa. Procuram assim reforçar a idéia de que acordo setorial é necessário tanto na negociação de produtos industriais como na agrícola, para abrir mais o comércio. Washington anunciou o interesse em promover acordos setoriais (abolir tarifas e cortar mais os subsídios internos) para carne bovina, de porco, de frango, cevada, frutos e vegetais, alguns produtos processados, destilados, sementes para produção de óleo (como algodão) e soro de leite. O Brasil, líder na negociação agrícola, não respondeu aos americanos. As informações são de que Brasília está consultando os setores produtivos para definir a posição sobre um acordo setorial na agricultura. Na negociação industrial, Brasília tem uma postura defensiva. Quer proteger vários setores de súbita concorrência externa e recusa o acordo setorial proposto pelos americanos. Já na negociação agrícola, a questão é como poderia recusar um acordo "zero por zero" (cada lado elimina a tarifa do mesmo produto), quando demanda a maior liberalização possível. Produtores americanos vêm acusando o Brasil de dar fortes subsídios internos a seus agricultores de soja e por isso gostariam de ver Brasília aceitar esse tipo de acordo, segundo fontes brasileiras. Há cerca de três anos, os setores produtivos do Brasil, Estados Unidos, Argentina e União Européia aceitaram propor a seus governos negociar a eliminação das alíquotas. Do lado da Argentina, a situação mudou. Os argentinos se opuseram ontem claramente à iniciativa setorial, tanto mais que recusam a demanda americana para acabar sua taxa diferenciada na exportação de alguns produtos agrícolas (taxa mais matéria-prima e menos produtos processados). Também a Índia reclama que acordo setorial na agricultura prejudicaria o tratamento especial para países em desenvolvimento (cortar menos tarifa e em prazos maiores). Quênia argumentou que os países não têm capacidade idêntica para competir uns com os outros. A Colômbia, apoiada pela Costa Rica, foi na mesma linha dos EUA e propôs negociação setorial no comércio de flores. Quer tarifa zero sobre o produto. Argumentou que isso pode beneficiar vários países em desenvolvimento que se tornaram grandes fornecedores internacionais. De maneira pouco comum, o mediador agrícola, Tim Groser, interveio na discussão com apoio dos Estados Unidos e da Austrália para reiterar que "é isso que significa desenvolvimento na OMC" e não os discursos repetitivos sobre o assunto. Ao mesmo tempo, os países se confrontaram sobre a conversão de tarifas específicas, pelas quais certos países têm mais margem para proteger seus produtores. A dificuldade é como recalcular os equivalentes "ad valorem" de produtos cujo mercado é distorcido, como açúcar, tabaco e carnes, todos produtos de interesse exportador do Brasil. Os europeus queriam usar os próprios preços, às vezes três vezes menores que o preço mundial. O resultado é que, na conversão, a tarifa seria mais baixa e o corte menor. O Brasil e outros exportadores querem usar o preço mundial. Bruxelas sugeriu então uma média de ambos. Mas os exportadores rejeitaram. Argumentam que isso não seria justo, porque os preços mundiais já refletem também os preços distorcidos. Os delegados vão esperar agora novas orientações dos ministros, para voltar à mesa de negociações.