Título: A crise é parte do negócio
Autor: Roberto Rodrigues
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2005, Opinião, p. A38

Parte importante do agronegócio brasileiro está em crise. Na verdade, trata-se de uma crise conjuntural, uma crise anunciada. Desde o ano passado já eram claras as perspectivas preocupantes que cercavam a nova safra em virtude da queda dos preços e elevação do custo dos insumos. A seca, no entanto, tornou ainda mais dramático um quadro que já era grave. Apesar de tudo isso, não podemos perder de vista o fato de que, estruturalmente, o agronegócio brasileiro continua a ser um dos mais competitivos do mundo e com enorme potencial de crescimento. Agora, o que precisa ser feito é apoiar o setor para superar as suas atuais dificuldades e retomar sua rota de crescimento, ajudando o país a crescer, gerando empregos e riqueza. Diante desse quadro, é fundamental aprimorar o diagnóstico para poder aplicar a medicação adequada. A demanda crescente dos últimos anos por insumos agrícolas, associada ao aumento mundial dos preços do petróleo e do aço, fez com que os custos de produção subissem assustadoramente. É bem verdade que os custos subiram para todos os produtos, mas soja, algodão, milho, arroz e trigo foram os mais afetados, já que os produtores compram os insumos quando vendem a produção da safra anterior, isto é, de abril a junho. Como o dólar estava mais valorizado do que hoje - quando estamos vendendo a safra plantada com aqueles insumos -, é razoável afirmar que o aumento médio do custo de produção ficou perto de 17%. Em segundo lugar, as super-safras registradas no hemisfério norte provocaram um recorde da oferta mundial desses produtos, derrubando, de forma devastadora, seus preços internacionais, com evidentes reflexos negativos nos preços internos, em reais, potencializados pela desvalorização da moeda americana. Em terceiro lugar, a marcha ascendente da nossa competitividade, nos últimos anos, tem seu preço, pois os agricultores se endividaram pesadamente, sobretudo no capítulo dos investimentos, com a compra de novos tratores, colheitadeiras e equipamentos, além da construção de silos e armazéns nas fazendas e cooperativas. Os financiamentos para investimento chegaram a R$ 21 bilhões no período 2001-2004. A capacidade de pagamento dessas dívidas, entretanto, ficou muito prejudicada pelo descasamento ocorrido entre custos e preços dos produtos agrícolas em 2005. Em quarto lugar, uma seca nunca vista no Rio Grande do Sul - e menos abrangente, mas igualmente feroz, em outros estados -, provocou uma quebra de produção que superou 50% em inúmeras áreas. Ora, como a lucratividade média da agricultura dificilmente ultrapassa 12%, fica evidenciada a incapacidade dos produtores atingidos de se manterem na atividade. E a seca é democrática: atinge todos os agricultores (pequenos, médios e grandes) e, de forma indireta, os trabalhadores e as empresas. Ninguém escapa. E, em quinto lugar, os custos da logística inadequada - estradas e portos -, suportáveis quando os preços e a produtividade são altos, ficam insuportáveis em situação inversa, como a hoje vivida em todo o sul do país e em boa parte do centro-oeste.

Na falta de outros instrumentos, como um seguro rural, governo deve prorrogar dívidas do crédito rural

Todos esses fatores compõem um cenário dramático - embora conjuntural - para o nosso setor rural. Mas exatamente por ser conjuntural, precisa ser acudido, de modo a não comprometer a poderosa competitividade que vimos construindo ao longo dos anos, já muito duramente combatida fora do país, em mesas de negociações, por concorrentes que se assombram com a nossa capacidade inesgotável de conquistar novos mercados, em detrimento, sobretudo, dos países ricos. É descabido dizer que nos últimos anos, em função dos bons resultados obtidos, os agricultores acumularam gordura que poderia agora ser queimada. A agricultura é como bicicleta: se parar de pedalar, cai. O produtor, para se manter competitivo num mundo globalizado, tem que usar os ganhos dos anos melhores para se capitalizar (melhorar seus equipamentos e parque motomecanizado, adquirir melhores tecnologias, etc). Mesmo aqueles que, capitalizados, compram mais terra para ampliar a produção, estão, com isso, gerando mais empregos, mais riqueza e mais excedentes. Esses, contudo, não são a regra, e, ainda que fossem, é preciso lembrar que na crise os preços da terra despencam, dilapidando o patrimônio adquirido. Portanto, não há porque falar em queima de gordura na dimensão necessária ao duro ajuste de contas. Para fazer frente a tudo isso, o governo está buscando os mecanismos para amenizar os prejuízos incalculáveis que os produtores estão amargando em 2005. Nos países desenvolvidos, além de vultosos subsídios nos casos de quebra de produção ou de preços, há um seguro rural que garante a renda, e, em grande parte, os prêmios são bancados pelos governos. No Brasil, estamos engatinhando nessa modalidade de seguro, o que não nos permite atender a calamidades dessa natureza. A caminhada até esse estágio é árdua e demorada. Sem instrumentos equivalentes aos dos países ricos, as ações do governo deverão se concentrar na prorrogação de dívidas do crédito rural. Não se trata de perdão de dívidas - o que os produtores não querem -, nem de resolver o problema de 100% deles, o que é impossível, mas sim garantir condições equilibradas para saldá-las, de forma a resolver ou minorar os problemas num momento tão difícil. É preciso enfatizar que o governo não faz isso por caridade. Faz porque tem a consciência - como de resto, hoje, a tem toda a sociedade brasileira - de que o agronegócio, responsável por 34% do PIB nacional, por 37% dos empregos, por 43% das exportações e por 100% do superávit comercial, é a alavanca da nossa economia e grande propulsor de outros setores. Ao assegurar a continuação da atividade, momentaneamente em crise, o governo garantirá o crescimento do país e melhores condições de vida para o povo brasileiro.