Título: Birigüi, a cidade do sapato infantil, mira o mercado externo
Autor: Carolina Mandl
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2005, Empresas &, p. B4

Nos fundos do quintal da casa de João Batista está uma pequena fábrica de sapatos, a Dayfa. São 22 funcionários, dos quais três membros da própria família, que tocam a produção diária de 550 pares. Apesar da aparente inexpressiva produção, a Dayfa já segue à risca os mandamentos do pólo de calçados, que é exportar boa parte da produção local. Até o momento, o destino dos calçados da Dayfa são países do Oriente Médio. Mas a família inteira está empenhada em desbravar outras regiões. Os dois filhos de Batista estão aprendendo inglês e espanhol para conseguirem se comunicar com os importadores, e a filha caçula é a modelo das caixas de sapato. "A exportação dá uma estabilidade maior à produção. Mesmo que por aqui as vendas não estejam bem, estamos certos de que venderemos no exterior", explica Batista. Ter um pé bem posicionado na exportação é o objetivo do pólo de Birigüi, de onde saem diariamente 250 mil pares de calçados infantis. Hoje, a cidade exporta 14,4% da produção. De acordo com Samir Nakad, presidente do Sindicato das Indústrias do Calçado e Vestuário de Birigüi (Sinbi), a meta é alcançar 20% do volume produzido até o próximo ano. A única dificuldade à vista, segundo ele, é o comportamento do câmbio. Com 164 indústrias de sapatos infantil, o pólo de Birigui é hoje o maior fabricante calçadista do Estado de São Paulo e o maior de sapatos infantis do Brasil. A produção de Franca, focada em calçados masculinos, é de 130 mil pares dia; e a de Jaú, concentrada em sapato feminino, é de 80 mil. O maior diferencial do pólo está justamente nas exportações. Isso porque as vendas externas são feitas com as marcas dos próprios fabricantes, enquanto nas demais cidades predomina a etiqueta do importador. "Pelo fato de só vendermos com a nossa marca é que conseguimos ultrapassar diversas crises. E isso fortalece o pólo", afirma Carlos Alberto Mestriner, diretor comercial da Klin, a maior fábrica voltada para calçados infantis do país. As vendas externas da Klin variam de 27% a 30% da produção e vão para 63 países. Neste ano, apesar do real mais fraco, Mestriner diz que abrirá mão de parcela de sua margem para preservar o mercado externo. "Há 15 anos estamos exportando. Não é uma conquista de um ano para perdermos." A Pé com Pé, que fabrica 2,4 milhões de pares por ano, ainda está com as exportações em expansão. Segundo Eli José Tiburcio, diretor comercial da Pé com Pé, a meta é em poucos anos vender para o exterior 20% da produção, contra os atuais 13%. "O câmbio pode retardar um pouco nossos planos, mas chegaremos lá", explica o executivo. A Kidy, que vende 10% da produção em outros países, acha que a valorização do real pode dificultar um pouco seus planos, levando à manutenção do percentual. "Em 2004, conseguimos entrar em muitos mercados. Neste ano, lutaremos para manter as vendas", afirma Sérgio Gracia, diretor comercial da Kidy. As indústrias de Birigüi também estão se organizando para fazer um forte marketing do pólo de uma forma organizada. "O mundo precisa saber que Birigüi é a capital brasileira do calçado infantil. Se construirmos uma marca, ela vira referência para atrair compradores internacionais", afirma Nakad, presidente do Sinbi, sindicato que está investindo R$ 400 mil na campanha de marketing. Birigüi é o mais jovem pólo de calçados do Estado. Nasceu na década de 50, quando Antônio Ramos de Assunção observou que a atividade agrícola estava declinando em Birigüi e que a cidade precisava se diferenciar da atividade dos demais municípios do Estado. "Ele tomou uma decisão, e as pessoas o seguiram, começando do zero", explica Nalberto de Milton Vedovotto, autor do livro "Birigüi: a Revolução que Começou pelos Pés". Hoje, Assunção está à frente da Kiuti. A única experiência que os birigüienses tinham era de fazer montarias, selas e botinas para quem ia trabalhar na roça. Na década de 40, 70% da população da cidade vivia na zona rural, produzindo amendoim, arroz e algodão. Hoje, 60% dos empregos de Birigüi estão nas indústrias de calçado infantil, onde trabalham 19 mil pessoas. A produção da cidade atrai os habitantes dos municípios vizinhos, como Penápolis e Gabriel Monteiro. Todos os dias, às 6h, cerca de 60 ônibus entram em Birigüi trazendo 3.000 trabalhadores. A partir disso, o pólo, que não conta com benefícios fiscais para atrair indústrias, foi crescendo. Cerca de 70% dos diretores das indústrias calçadistas nasceram em Birigüi e o restante vem das cidades vizinhas. Algumas fábricas como Klin e Kidy chegaram a instalar fábrica no Mato Grosso do Sul, mas, segundo seus executivos, ainda preferem produzir em Birigüi. "A grande vantagem de se instalar aqui é contar com mão-de-obra especializada, que já sabe que o calçado infantil requer um maior cuidado, além de principais matérias-primas disponíveis", explica Tiburcio, diretor da Pé com Pé.