Título: EUA resistem à condenação da OMC
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2005, Agronegócios, p. B10

Os Estados Unidos têm 30 dias para dizer ao Brasil e à Organização Mundial do Comercio (OMC) como pretende modificar seus programas agrícolas condenados por conceder subsídios ilegais aos produtores de algodão. O prazo foi estabelecido ontem, quando o Orgão de Solução de Controvérsias da OMC aprovou oficialmente o relatório dos juízes que condenaram os EUA por violação de regras internacionais. Washington não mudou sua posição ontem, e sustentou que prefere negociar subsídios na Rodada de Doha, que deve definir novas regras para reformar o comércio agrícola internacional. Mas o Brasil insiste que os americanos têm que adotar logo a decisão da OMC, porque o caso do algodão foi 100% baseado nas regras atuais do Acordo Agrícola. Ou seja, o pais já pagou pelas regras atuais, e não aceita fazer novas concessões para que outras regras sejam criadas e só assim respeitadas. Passados os 30 dias, os dois beligerantes podem entrar em negociação sobre esse prazo. Mas a evidencia, admitem analistas, é que os EUA não têm politicamente condições de implementar agora a decisão. Ainda mais que ela implicaria mudanças de legislação que envolvem um Congresso cada vez mais resistente às decisões da OMC. A pressão internacional, contudo, aumenta contra esse tipo de programa que afeta duramente países em desenvolvimento competitivos. Além disso, a recente proposta americana, de negociação setorial para eliminar tarifas e cortar maior fatia de subsídios domésticos de alguns produtos agrícolas, abre a porta para que se tente igualmente um acordo nesse sentido para o algodão. Durante a sessão de ontem do Órgão de Solução de Controvérsias, o Brasil destacou a demora no caso, já que a decisão final da OMC veio dois anos depois da primeira condenação dos EUA por subsídios ao algodão (março de 2003). Enquanto isso, os produtores brasileiros sofreram prejuízos reais de US$ 450 milhões, segundo a delegação brasileira. Pelos cálculos de Brasília, os EUA deram quase US 13 bilhões de subsídios a seus agricultores de 1999 a 2002, equivalentes a 95% do valor da produção. Para o Brasil, o desempenho dos cotonicultores americanos desafia as lógicas econômicas. Em sua defesa, o país mostrou que de 1998 a 2002 o custo de produção e o dólar subiram e o preço externo do algodão caiu. Ainda assim, os EUA aumentaram em 30% a produção e em 45% a exportação do produto. A disputa é vista como um marco no comércio agrícola internacional, por suas implicações. Os brasileiros destacaram na decisão da OMC a capacidade de se aplicar as regras do Acordo de Subsídios no comércio agrícola. Este acordo é mais rigoroso e trás um real risco para os países protecionistas. A União Européia queixou-se ontem que não foi atendida pelo Órgão de Apelação, quando reclamou que o Acordo de Subsídios não podia se sobrepor ao Acordo Agrícola. Para o Brasil, também ficou evidente que os subsídios autorizados - conhecidos como "caixa verde" - têm de estar totalmente desvinculados da produção. Os EUA, por sua vez, disseram estar "profundamente desapontados" com a decisão. Fizeram uma lista de reclamações de pontos adotados pelos juízes a favor do Brasil. Os representantes de Washington indagaram aos outros países se eles estão "bem servidos" por um mecanismo de solução de controvérsias que condena mesmo admitindo, segundo os EUA, que certos pontos não foram demonstrados com precisão, como por exemplo a relação entre concessão de subsídios e queda de preços. Washington "encorajou" os outros países a examinarem também o voto separado de um dos juízes, contrário a condenação de programas de garantia de crédito às exportações agrícolas. Os EUA insistem que ainda não há regras nesse terreno. Mas o órgão de Apelação decidiu que, nesse caso, se aplica a regra do Acordo de Subsídios. Um dos problemas nessa interpretação, reclamaram os americanos, é que os créditos para a maioria de seus produtores estão assim condenados, enquanto subsídios diretos a exportação de vários outros países ficam apenas sujeitos a redução.