Título: Visão empresarial já busca mudanças no perfil de uso
Autor: Denise Ramiro
Fonte: Valor Econômico, 22/03/2005, VALOR Especial, p. F4

Há dez anos, uma grande empresa siderúrgica do país captava 10 metros cúbicos de água por segundo para tocar a sua produção. Hoje, esse volume caiu quase pela metade. Mesmo assim, a quantidade captada ainda é enorme, suficiente para abastecer diariamente uma cidade de 1,8 milhão de habitantes. A redução do consumo de água faz parte de uma nova visão empresarial, que nitidamente coloca a questão ambiental como prioridade para o sucesso dos negócios. Afinal, não pega bem nos dias que correm gastar água à toa. Portanto, a saída é achar soluções que preservem ao máximo os recursos naturais não-renováveis, como é o caso da água. Mas não são só as empresas que estão despertando para o problema da escassez de água no mundo. No Brasil, talvez as autoridades estejam acordando a tempo para tratar do assunto. Como país que concentra a maior quantidade de água doce do planeta, não podia ser diferente. Essa é uma das prioridades do governo, afirma o secretário de Recursos Hídricos do Ministério do Meio Ambiente, João Bosco Senra. E as águas subterrâneas, responsáveis pelo abastecimento da maior parte dos municípios brasileiros, não poderiam ficar de fora da pauta. Seguindo por essa trilha, dois projetos paralelos pretendem aprofundar os conhecimentos sobre o Aqüífero Guarani, um dos maiores do mundo. Internamente, o Projeto de Proteção Ambiental e Desenvolvimento Sustentado do Sistema Aqüífero Guarani, pretende, entre outras iniciativas, conhecer melhor o sistema para limitar a sua exploração a ponto de não prejudicar o lençol freático do reservatório. No aspecto qualitativo, a proposta é prevenir a contaminação de suas águas e fazer com que o assunto chegue ao conhecimento da sociedade, seguindo uma linha de educação ambiental. "A gente só ama aquilo que conhece", acredita Senra. A outra iniciativa envolve os quatro países do Mercosul, que por uma generosidade da natureza estão situados sobre esse gigantesco depósito de água doce da melhor qualidade, capaz da abastecer a várias gerações vindouras da região. Com investimentos de instituições internacionais de desenvolvimento, a idéia da comissão que estuda o assunto, formada por membros dos quatro países bloco econômico, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai, é conhecer melhor a dinâmica do aqüífero para criar uma regulamentação de gestão comum entre esses países. Mais importante ainda, o Brasil e seus vizinhos mais próximos querem assegurar formalmente, por meio de um documento, a soberania sobre as águas do Guarani. A questão é urgente. No ano passado, durante uma reunião da Organização das Nações Unidas (ONU), um dos membros da Comissão de Direitos Internacionais da ONU sugeriu aos presentes que estudassem a idéia de declarar a água um bem comum da humanidade. A resposta do bloco sul-americano foi unânime. "Nós dissemos que aceitaríamos desde que o petróleo também fosse considerado um bem da humanidade", lembra o embaixador Baena Soares, que era o representante brasileiro na comissão. Segundo ele, o assunto morreu ali. O Mercosul quer regulamentar a questão das águas subterrâneas no âmbito internacional, explica o embaixador. Por enquanto existem apenas acordos bilaterais entre países que possuem aqüíferos em regiões fronteiriças. No final deste mês, os representantes do Mercosul realizam a terceira reunião para discutir o assunto, em Assunção, no Paraguai. Entre os assuntos que compõem a pauta em discussão se incluirá o aproveitamento adequado do aqüífero de modo a evitar possíveis prejuízos para os países vizinhos, assim como a utilização racional da água e a sua preservação. Para o superintendente de Conservação de Água e Solo da Agência Nacional de Águas (ANA), Antonio Félix Domingues, os países que formam o bloco do Mercosul são privilegiados por disporem de um reservatório do porte do Guarani em seus territórios. "Num futuro próximo, quem tiver mais água será mais competitivo", aposta. Isso significa que o Brasil poderá ter vantagens comerciais sobre outros países, como a China, por exemplo, que nos últimos 15 anos rebaixou em mais de 10 metros o leito de seus rios para tentar sustentar o ritmo acelerado de crescimento econômico registrado no período. O Brasil tem um potencial enorme no desenvolvimento da indústria hidrointensiva, caso da agricultura, bebidas e alimentos, que dependem fortemente da água. Os seus vizinhos também. É só saber usar. (D.R.)