Título: Dicas para controlar os gastos públicos
Autor: Fernando Luiz Abrucio
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2005, Política, p. A8

O sinal vermelho acendeu: o descontrole dos gastos públicos pode atingir a credibilidade da política econômica do Governo Lula, o que tende a afetar negativamente o crescimento do país em 2006. Nas últimas semanas, vários fatos levaram a este diagnóstico, tais como a descoberta de que houve uma forte elevação das despesas com custeio e pessoal em 2004, a aprovação de alguns itens explosivos da PEC paralela da Previdência -prejudicando principalmente os governos estaduais - e a própria trajetória ascendente dos juros. Importantes líderes da sociedade civil e economistas alertam para o perigo desta situação, porém, raramente propõe medidas administrativas e ações políticas para resolver este imbróglio. Sem pretender esgotar o assunto, propor-se aqui uma agenda de cinco itens para evitar que a questão fiscal se torne um obstáculo para o desenvolvimento brasileiro. É pelo lado político mais conjuntural que deve começar a luta pela manutenção da credibilidade da política econômica. Isto porque a Câmara Federal, nesta Era Severina e com a proximidade das eleições para os deputados, tenderá a ser mais gastadora. A solução para evitar os danos fiscais é fortalecer o Senado como o ramo legislativo que se orienta por uma lógica mais responsável e de longo prazo. Talvez seja este o maior ganho com a reforma ministerial, uma vez que dela deve resultar maior apoio dos senadores ao Governo Lula. Além disso, dois outros fatores favorecem uma postura senatorial diferenciada. Um é o comportamento da oposição, que nesta Casa vem atuando de forma mais entrosada com os governadores e a opinião pública. O outro aspecto é o papel do presidente Renan Calheiros, cuja postura de contrapeso às farras financeiras dos deputados e seu interesse em se constituir no principal interlocutor pemedebista junto ao Executivo federal transformaram-no, hoje, num aliado de peso da política econômica. Mas, como cautela não faz mal a ninguém, o Senado tenderá a exercer mais esta função quanto mais rápido e a seu favor for a reforma ministerial. Uma segunda medida relaciona-se ao custeio do Executivo federal. Aqui, o ponto fundamental é aumentar a eficiência da máquina administrativa. O Ministério do Planejamento anunciou ações tópicas para melhorar o desempenho governamental, mas falta construir um projeto global de gestão para o Governo Lula. Em poucas palavras, seu objetivo seria orientar a burocracia por metas e resultados que possam ser acompanhados e avaliados, inclusive pela sociedade. Na hora em que isto ocorrer, os cidadãos poderão saber seu dinheiro está sendo bem gasto, ao passo que o próprio governo poderá explicar melhor à opinião pública as razões orçamentárias que orientaram o rumo das políticas públicas. Outra lacuna do Governo Lula diz respeito à política de pessoal. Antes de tudo, deve-se partir do suposto que não é fácil, nas atuais bases legais, reduzir o gasto com o funcionalismo, seja pela questão previdenciária, seja pela existência de gratificações que não podem ser simplesmente extintas. Ademais, ao contrário do que advoga o senso comum, não se pode dizer que o Estado brasileiro ou a União tenha um número grande de funcionários públicos - os dados comparativos existentes revelam situação oposta. Mas, diante da famosa restrição orçamentária, o Governo Federal deve ter uma estratégia adequada para garantir os quadros administrativos necessários. Apenas algumas carreiras devem passar por concursos que selecionem estatuários, dado o custo altíssimo dessa forma empregatícia. É o caso da Polícia Federal, e aqui o Executivo atuou corretamente. No mais das vezes, contratar pessoal da área meio por este instituto jurídico é um erro -e, infelizmente, o Governo Lula tem feito esta escolha. A sociedade brasileira precisa lutar para que o Congresso regulamente a figura do emprego público vinculado à CLT, tal como formulada pela Emenda Constitucional 19. Isto nos garantiria uma melhor situação fiscal no longo prazo, sem que a população, sobretudo a mais pobre, tenha uma provisão precária dos serviços públicos.

Senado pode ser guardião das contas públicas

O descontrole dos gastos públicos passa, também, pela melhor coordenação das políticas públicas nas quais haja mais de um nível de governo envolvido. Este é um dos maiores imbróglios fiscais do país. A duplicação de tarefas e a competição entre as esferas acabam por tornar mais ineficiente o uso dos recursos governamentais. Neste sentido, foi alvissareira a aprovação no Congresso do excelente projeto dos Consórcios Públicos, que irá permitir maior cooperação entre os entes federativos e, conseqüentemente, maior racionalidade no planejamento e implementação das despesas. Cabe ressaltar que tucanos e petistas aliaram-se aqui, agindo mais em prol do país do que em torno de suas disputas. Porém, esta boa notícia não resolve por completo o problema da coordenação federativa, como revela o caso da Saúde no Rio. A questão mais estrutural para melhorar os gastos públicos passa pela reformulação do Orçamento. Por um lado, os parlamentares incluem um enorme número de emendas paroquiais à peça orçamentária, que são ruins porque não têm ligação clara com o planejamento mais geral dos gastos e das políticas públicas. Por outro, ele é uma peça de ficção, dado que o Executivo tem grande margem de manobra. No entanto, para efetuar as despesas mais livremente, o governo se vê obrigado a negociar constantemente com os parlamentares, muitas vezes guiando-se pelo puro blefe, o que só aumenta o desgaste dessa fórmula e seus respectivos resultados fisiológicos. O fato é que só teremos uma política fiscal boa e estrutural quando formos além da definição do superávit primário. As respostas "meia-boca" dadas nos últimos anos fazem com que a política econômica oscile entre uma ortodoxia exagerada - vide as irrealistas metas de inflação - e o populismo dos gastos de final de mandato.