Título: Em busca da demanda global
Autor: J. Bradford DeLong
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2005, Opinião, p. A13

Mais uma vez, Alemanha e Japão entraram em recessão. Mais uma vez, a segunda e terceira maiores economias industriais do mundo estão subtraindo, não agregando, do crescimento na demanda agregada do mundo. Do ponto de vista dos cidadãos alemães e japoneses, isso é uma má notícia. Tecnologias globais em acelerado aprimoramento deveriam ter tornado relativamente fácil atingir elevados níveis de produção e de padrão de vida. As economias japonesa e alemã, no entanto, passaram por grandes dificuldades para realizar isso na década e meia passada. Certamente, todos anteciparam há quinze anos que o estado atual das duas economias seria muito melhor. Do ponto de vista da estabilidade política global, a recessão e a estagnação na Alemanha e no Japão representam uma notícia ainda pior. Governos democráticos fazem uma negociação com os seus povos, conquistando sua legitimidade de longo prazo a partir da sua habilidade em prover um padrão de vida crescente e um alto nível de emprego. Crise, depressão e estagnação fazem os pensamentos das pessoas se voltarem para a ineficiência e a corrupção dos políticos da ordem dominante, aos poderes ilegítimos de grupos de interesses especiais, e para o cretinismo dos parlamentos. Os pensamentos que as pessoas nutrem em tempos de crises e depressão não são falsos. Os políticos da ordem dominante freqüentemente são ineficientes e corruptos (moralmente, se não legalmente), grupos de interesses especiais realmente possuem poderes vastos e ilegítimos e as legislaturas são freqüentemente cretinas. Não há, porém, nenhum país no qual as tentativas de tirar conclusões políticas desses sentimentos populares não tenham terminado em desastre. Do ponto de vista da estabilidade econômica global, a falta de crescimento na Alemanha e no Japão é talvez a pior de todas as notícias. Há seis ou sete anos, circularam vagos temores de que o núcleo desenvolvido da economia global não poderia se movimentar sozinho indefinidamente sobre uma única locomotiva, os Estados Unidos. Agora, devido à estarrecedora política fiscal adotada pela administração de George W. Bush e a alguma má sorte, a economia dos EUA travou em uma posição muito desconfortável, cercada por seus gigantescos déficits orçamentário e comercial.

Do ponto de vista da estabilidade econômica global, a falta de crescimento na Alemanha e no Japão é a pior de todas as notícias

Destravar a América sem uma crise - alcançando o santo graal dos economistas, de um "pouso suave" -- exige que um grande número de pessoas e de instituições com enormes investimentos em ativos denominados em dólar se mantenham inertes passivamente e não tomem nenhuma iniciativa, enquanto aqueles ativos denominados em dólares perdem um terço ou mais do seu valor contra outras moedas. Existe um precedente recente para isso: de 1985 a 1987, detentores de ativos denominados em dólares levaram um banho semelhante, porém muito menor. Mas quem vai entrar no mesmo rio duas vezes? Além disso, realizar um pouso suave bem sucedido exige mais do que tranqüilizar detentores de ativos denominados em dólares e imergi-los em estado de catatonia, enquanto perdem as suas calças. Isso também exige que pelo menos oito milhões de trabalhadores americanos, que agora estão empregados na construção civil, nos serviços aos consumidores e em setores relacionados, procurem novos empregos em setores que concorrem com os de importação e exportação. Isso não é tudo. Pelo menos dezesseis milhões de trabalhadores fora da América, que agora estão empregados exportando para a América, também terão de procurar empregos em outros setores. Esses postos de trabalho precisarão preencher a demanda vinda de fora dos EUA, pois, num momento em que um dólar em queda e, possivelmente, uma recessão interna, reduzem o descompasso entre a demanda americana e a produção americana, é preciso haver um estímulo compensatório para a demanda relativa à produção fora dos EUA. Quando o reequilíbrio ocorrer - e ele já foi postergado por muito mais tempo do que eu julgara provável - é importante que, como costumava dizer o ex-secretário do Tesouro dos EUA, Larry Summers, a economia mundial se equilibre mais para cima que para baixo. Sem uma Alemanha e um Japão em franco crescimento, de onde virá a demanda necessária para a economia mundial se "equilibrar para cima" nos próximos anos? Em mais uma geração, provavelmente teremos condições de apontar para a China e para a Índia como mercados em franco crescimento, ávidos por dinheiro, capazes de preencher os descompassos na demanda global. Mas ainda não. Embora a China e a Índia sejam enormes em termos de trabalhadores, ainda são pequenos em termos de produção e demanda. Sem crescimento acelerado na demanda em algum lugar no mundo desenvolvido fora dos EUA - e a Alemanha e o Japão são os melhores lugares para se olhar - é difícil ver como a economia global poderá se equilibrar em um patamar elevado ao longo dos próximos anos.