Título: A reforma sindical precisa ser muito alterada
Autor: Sérgio Werlang
Fonte: Valor Econômico, 21/03/2005, Opinião, p. A13
Sabe-se que a informalidade e o desemprego são elevados no Brasil. O IBGE faz uma riquíssima pesquisa anual que é um mini-censo, a PNAD (Pesquisa Nacional por Amostras de Domicílios). De acordo com os dados da PNAD de 2003, da totalidade da população economicamente ativa, 10% estão desempregados, 63% trabalham sem carteira assinada e 27% com carteira assinada. Assim, o universo de pessoas que trabalham na formalidade é uma minoria (27%) da população. As conseqüências disso são alarmantes. Primeiro, a economia informal no Brasil é enorme, o que faz com que a carga tributária acabe por incidir somente nestes 27% e nas firmas que empregam esta minoria. O problema é particularmente agudo nas contribuições para o INSS. Segundo, a informalidade está associada a enormes perdas de produtividade, o que faz com que o crescimento da economia brasileira seja muito menor do que deveria ser. Um estudo feito pela McKinsey para o Brasil mostrou que a produtividade é cerca de três vezes maior nas empresas formais do que nas informais. Terceiro, apenas 27% da população brasileira em idade de trabalhar está ao abrigo das leis trabalhistas. Uma resposta que se ouve para este problema é que o desemprego é alto. Mas isto não é o principal ponto. Os desempregados são 10% do contingente de brasileiros aptos a trabalharem. E dos 90% restantes, que trabalham, 70% estão na informalidade! Ou seja, a razão básica da informalidade no mercado de trabalho não é o desemprego. Os problemas são outros. E referem-se ao custo total que as firmas incorrem para serem formais. Parte deste custo sem dúvida está na elevada carga tributária, e muito tem sido debatido e proposto sobre este tema. Mas outro custo muito importante está nas leis trabalhistas. Nesse assunto, pouco tem sido feito. Recentemente o governo enviou um projeto de reforma constitucional (PEC 369/2005) e um projeto de lei (ainda sem número) que modificam a estrutura sindical no país. Esta reforma sindical, como está sendo chamada, tem por idéia básica dois pontos: 1) permitir pluralidade sindical; e 2) permitir que centrais sindicais (como a CUT) sejam reconhecidas formalmente.
Projeto aumenta poder e recursos dos sindicatos e centrais, eleva custos e vai criar mais informalidade no mercado de trabalho
Isto já representa um problema de concepção: a reforma sindical não partiu do pressuposto que o objetivo de qualquer modificação das leis que regem as relações de trabalho tem que ser o de diminuir a informalidade no mercado de trabalho. Aliás, tem sido dito que o propósito da reforma é aumentar o poder dos sindicatos. O projeto proposto acaba por aumentar, e muito, o custo trabalhista. Na emenda constitucional há dois problemas muito graves. Primeiro, os sindicatos (agora chamados de entidades sindicais) exigem contribuição de todos os que são abrangidos pela negociação coletiva (nova redação do inciso IV do art. 8º da Constituição). O problema, com isso, é que mantém o que hoje existe sob outra forma: uma pessoa não pode escolher não ser sindicalizada na prática, já que todos que estão no âmbito da negociação terão que contribuir para o sindicato. E deveria ser direito do trabalhador escolher se quer ou não ser representado pelo sindicato e, portanto, se quer ou não pagar os serviços prestados pelo sindicato. Como vai ser visto adiante, os custos destes serviços aumentam muito para o trabalhador. Segundo, as representações sindicais agora são estendidas aos locais de trabalho. Ocorre que este princípio poderá (e no projeto de lei isso acontece) ser entendido de forma a aumentar (e muito) o número de representantes sindicais. Representantes sindicais são empregados que têm estabilidade no emprego e que dedicam parte de seu tempo para as atividades do sindicato. Portanto, isso contribui para aumentar os custos das empresas. Por fim, não se pode deixar de acentuar que uma boa mudança permitida pela emenda constitucional é haver mais de um sindicato atuando por uma mesma categoria e na mesma região geográfica. Já o projeto de lei que regulamenta a emenda constitucional apresenta inúmeros entraves à diminuição do custo trabalhista. Primeiro, porque embora seja permitida a pluralidade sindical, ela é muito restrita, pois uma entidade sindical tem que abranger pelo menos 20% dos representados. Mais ainda, o projeto de lei permite que a exclusividade seja mantida! Ou seja, abre-se de um lado a possibilidade de pluralidade, mas na prática torna-se a pluralidade inócua em muitos casos. Segundo, porque hoje o custo para uma pessoa do sindicato é um dia de trabalho. Este passa para um teto de 1% do salário total do ano anterior. É fácil ver que isto aumenta quase quatro vezes o preço a ser pago pelo trabalhador! Terceiro, a representação sindical será instalada nos locais de trabalho que tenham pelo menos 30 trabalhadores (hoje a Constituição prevê representação dos trabalhadores apenas para empresas com 200 ou mais empregados). Quarto, os dirigentes sindicais poderão ser até 81 em cada nível - central, confederação, federação e sindicato. Hoje este número é muito menor, até 24 pela CLT com estabilidade. Estas duas últimas medidas representam um aumento considerável do custo das empresas, pois estas cedem seus empregados para o sindicato. O projeto de lei é extenso e muito detalhado, e há muitos pontos que elevam os custos da mão-de-obra. Viu-se que a proposta aumenta os custos para o trabalhador, que continua sem poder escolher se quer ou não ser representado por algum sindicato. E agora terá que pagar cerca de quatro vezes mais. Também foi visto que o custo para as empresas aumenta. A contrapartida disto é uma grande elevação da arrecadação dos sindicatos e centrais sindicais, além de um aumento expressivo de pessoal ligado a atividades sindicais. Em resumo, o projeto favorece muito os sindicatos e centrais sindicais existentes às expensas de um aumento do custo do emprego. Estas medidas trabalham no sentido contrário ao que o Brasil necessita, pois perpetua um sistema que fez com que 73% da população esteja excluída do mercado formal de trabalho. E este contingente não tende a diminuir com a reforma sindical proposta pelo governo. O Congresso precisa modificá-la.