Título: Machado defende recuperação salarial
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2005, Brasil, p. A3

O secretário-executivo do Planejamento, Nélson Machado, defende a política de recomposição salarial do funcionalismo adotada pelo governo do PT. "Nos períodos anteriores, esse pessoal foi massacrado", argumenta. Além disso, avisa: acabar com a estabilidade do servidor ainda é um tabu no partido. A seguir, trechos da entrevista ao Valor, concedida um dia antes de deixar o posto de ministro-interino do Planejamento. Valor: Por que o governo elevou salários do funcionalismo num momento de sacrifício da sociedade? Nelson Machado: Porque os funcionários não podem pagar essa conta sozinhos. Se você administra qualquer entidade, órgão público ou privado, e tem uma missão a cumprir, precisa de pessoas e elas têm que ser remuneradas para produzir bem. Os serviços que eles prestam ainda não são os melhores do mundo, então, precisamos melhorar muito. Os funcionários não podem ter remuneração achatada o tempo todo. É importante fazer a recomposição salarial. Foi o que fizemos ano passado. Foi feita uma negociação com as diversas categorias, atendendo reivindicações históricas. Nos períodos anteriores, esse pessoal foi massacrado. Temos consciência da limitação dos recursos. Não ultrapassamos os limites orçamentários nem vamos ultrapassá-los. Valor: Por que o governo deu aumentos maiores às carreiras menos especializadas e de menor escolaridade, se elas agregam pouca qualidade aos serviços prestados e recebem salários superiores aos da iniciativa privada? Machado: Precisaríamos analisar caso a caso. Em alguns, pode haver efetivamente salários superiores aos do setor privado, mas em outros temos salários muito menores. Não dá para fazer uma amarração biunívoca entre os salários do setor privado e os do setor público. Valor: Por que não? Machado: Porque os salários do setor privado têm um pico muito alto. A diferença entre o maior e o menor salário é abissal. No setor público, não podemos ter essa diferença. No setor privado, não há estabilidade no emprego, há riscos. Imagino que um sujeito com a minha formação _ mestrado, 40 anos de serviço _ ganharia seguramente, numa multinacional, duas, três, quatro vezes mais do que eu ganho hoje. Provavelmente, correria o risco de ficar desempregado em determinados períodos por alguns meses. O mercado ajusta e ajusta em cima. Na base (do serviço público), você pode até encontrar salários que, no setor privado, são menores que os do setor público. Mas não podemos imaginar que o setor público vá pagar exatamente o montante do setor privado, que sofre oscilações. Precisamos ter uma política de valorização do servidor. Valor: O governo pretende regulamentar a emenda constitucional que acabou com a estabilidade dos servidores, assegurando-a apenas para as carreiras típicas de Estado? Machado: Esse é um tabu no PT, mas não só no PT. É um tabu da sociedade brasileira. Se tenho o ´chicote´ da demissão, posso ter controle maior sobre a força de trabalho. Agora, isso não é linear e não é verdadeiro. Quando você trata com corporações privadas, que têm o poder de admitir e demitir, lá há também o boicote ao trabalho. Não é à toa que nas empresas há programas de qualidade, incentivo, mobilização. Nas grandes organizações, se o sujeito não quiser trabalhar, não trabalha. Valor: Mas a incidência desse comportamento não é maior no setor público? Machado: Não vejo isso como um problema. Sou funcionário concursado da Secretaria de Fazenda do Estado de São Paulo há 25 anos e trabalho feito um louco, 14 horas por dia, e não sou exceção. Essa é uma falsa questão. Quem não trabalha é exceção e é uma exceção que não me leva a mudar a regra. O que precisamos mudar é o jeito de trabalhar e de encarar o funcionário público. Valor: O governo FHC tinha um modelo de Estado. Qual é a do PT? Machado: No governo passado, o (Luiz Carlos) Bresser (Pereira) definiu um modelo, que era utilizar as inovações que apareceram na década de 90 na chamada ´nova gestão pública´. Ela vinha muito amarrada com a visão neoliberal de redução do tamanho do Estado. Em linhas gerais, a maneira de buscar maior eficiência era trabalhar com um Estado menor na base do 'tudo o que não der, eu contrato fora (por meio das terceirizações)'. O raciocínio por trás disso era que o Estado é ineficiente por definição. Essa discussão do Estado mínimo começou a fazer água quando se percebeu que ele não dá conta de determinadas situações. Valor: Por exemplo? Machado: Em 2001, tivemos o apagão. Foi falta de chuva? O Estado não estava preparado para enfrentar aquilo. As equipes que estavam estudando o assunto foram desmontadas. Valor: O Sr. diz que o governo FHC tinha um modelo neoliberal de Estado, mas, em seu período, os gastos com saúde e educação, além daqueles com pessoal, cresceram. Machado: Os gastos (com pessoal) estão estáveis. De algumas áreas do Estado que precisavam ser fortalecidas - saúde, educação, segurança e Justiça -, ninguém pode sair fora. São os maiores gastos. Em qualquer que seja o modelo de Estado que se venha a discutir, alguns gastos sobem. Por exemplo: as varas federais, para que as pessoas possam recorrer à Justiça, têm que ser ampliadas, como agora. Valor: Qual é, então, o modelo de Estado do governo Lula ? Machado: Em vez de eu gastar tempo discutindo o modelo, estamos fazendo isso por meio de uma agenda, que é a 'agenda da eficiência'. É aqui que estou gastando tempo e botando nossos consultores para trabalhar. Valor: Qual é o eixo da agenda? Machado: São dois. O primeiro é a melhoria da qualidade do gasto. O outro eixo é o da redução fortíssima da burocracia, para diminuir os custos dos cidadãos e os custos sistêmicos das empresas.