Título: UE acusa Mercosul de ignorar vontade do presidente Lula
Autor: Assis Moreira
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2005, Brasil, p. A5

A reunião Mercosul-União Européia (UE) terminou pior do que começou, ontem, em Bruxelas, com os dois lados se acusando de complicar a retomada da negociação do acordo de livre comércio birregional. Karl Falkenberg, principal negociador da UE na reunião, deflagrou o ataque mais incisivo, acusando os coordenadores do Mercosul de ignorarem a vontade política demonstrada pelo presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, que era de concluir a negociação até o fim deste ano. "Para minha grande surpresa vi que os quatro coordenadores (do Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai) não estão absolutamente de acordo com a orientação manifestada pelo presidente Lula", reclamou Falkenberg. "Há uma discrepância marcante entre a sinalização política e os coordenadores, e isso eu não entendo." Falkenberg reclamou que, enquanto a UE estava preparada para discutir o ponto de partida para a retomada, os delegados do Mercosul limitaram-se a tentar definir critérios para continuar a negociação, em um exercício que no estágio atual ele acha que tem mais a ver com "literatura" do que com negociação comercial. "Até ontem eu achava que dava para fechar o acordo até dezembro, mas agora tenho duvidas", disse. "Chegamos a conclusão de que os coordenadores do Mercosul devem verificar com seus ministros se há ou não vontade de retomar seriamente a negociação com base na melhor oferta do ano passado, porque eles disseram que não tinham mandato para isso." Para Falkenberg, uma posição do Mercosul logo após a Páscoa é essencial, "para salvar a credibilidade dessa negociação". O representante do setor agrícola brasileiro, Antonio Beraldo Donizete, que esteve em Bruxelas, também não escondeu a decepção com o resultado da reunião de coordenadores. "É esse o momento de se perguntar se o Mercosul quer acordo ou não", disse. Já do lado do Mercosul, toda a culpa é atribuída à União Européia, que teria mudado o que estava acertado. Para seus delegados, em Bruxelas os dois lados deveriam apenas preparar a reunião ministerial, antecedida da definição de uma lista de temas que provocam "gargalos" persistentes. O Mercosul entregou a sua pauta segunda-feira, baseada em cinco pontos, que incluem a garantia de poder obter tratamento especial e diferenciado e acesso efetivo ao mercado europeu. Depois de muito resistir, a UE distribuiu um documento com quatro páginas com os parâmetros, indicando que não dá para fazer acordo sem livre circulação de mercadorias no Mercosul, proteção de indicações geográficas européias, maior acesso a transporte marítimo e em outras áreas de serviços, etc. "É para vocês lerem no avião", ironizou Falkenberg. O chefe da delegação brasileira, embaixador Regis Arslanian, considerou que o papel europeu representou, enfim, um resultado positivo da reunião. Mas Falkenberg deixou claro que isso representava quase nada. "No essencial, já nos entendemos sobre tudo isso (os parâmetros colocados na mesa) há três anos. Produzimos literatura, nada mais. E isso não faz avançar negociação", disse. Ele deu o exemplo de direitos de propriedade intelectual. Disse que há dois anos os blocos acertaram em Buenos Aires que as cláusulas no birregional não iriam além do que estabelece a Organização Mundial de Comércio (OMC), mas que o Mercosul fortaleceria a aplicação das leis existentes. Agora, reclama Falkenberg, o bloco volta atrás. Já Arslanian deixa claro que essa negociação não sai mesmo. "Não aceitamos discutir o tema na Alça e não vamos aceitar aqui." Ele reiterou que o Mercosul tem flexibilidade para atender demanda de proteção de indicação geográfica e vários outros temas importantes para Bruxelas. Mas para a UE, perdeu-se tempo esta semana. Na sua visão, os dois blocos deveriam ter fixado o ponto de partida da negociação, com a apresentação das ofertas consolidadas que os dois lados consideram as melhores. O Mercosul voltou a propor data para a reunião ministerial. Já Falkenberg acha que, sem se submeter algo concreto aos ministros, o exercício não tem sentido.