Título: O monopólio do FAT
Autor: Edward Amadeo
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2005, Opinião, p. A15

O Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) resulta da arrecadação de um tributo (PIS) que incide sobre o faturamento das empresas e aparece na contabilidade pública como um ativo do governo federal. Não se trata de um fundo exclusivo dos trabalhadores, como o FGTS em que cada assalariado tem sua "conta de poupança". Portanto, o FAT não pertence propriamente "ao trabalhador", como se costuma dizer, mas aos cidadãos de modo geral. Em sendo um recurso tributário, o correto seria que a sua destinação constasse do Orçamento Geral da União. Mas apenas uma parte do seu recolhimento é alocada no orçamento para custear o seguro-desemprego e outros projetos de menor porte. O artigo 239 da Constituição Federal destina no mínimo 40% do recolhimento do PIS (fonte dos recursos primários do FAT) ao BNDES que, por sua vez, remunera o fundo a 6% ao ano e empresta às empresas à taxa de juros de longo prazo (TJLP) mais taxas de administração e risco. A diferença entre a TJLP e 6% é capitalizada junto ao saldo devedor do banco com o FAT. O patrimônio do fundo (fruto de aportes anuais mais retorno das operações de crédito) permanece no banco e é a sua principal fonte de funding. Cerca de 75% do FAT encontra-se no passivo do BNDES e quase todo o resto nos demais bancos federais. O Tesouro Nacional se financia segundo a taxa SELIC (hoje em 19,25%) enquanto a parte de seu ativo correspondente ao FAT é remunerado pela TJLP (hoje em 9,75%). A motivação para esse subsídio é o retorno sócio-econômico ou, porque é "dinheiro do trabalhador", a "geração de empregos", que resulta dos empréstimos do BNDES. Se esse retorno justifica o subsídio, não se pode responder a priori, é algo a ser investigado. Para lidar com essa pergunta seria preciso examinar dois outros usos para os recursos do FAT. Em primeiro lugar, pode-se estudar o retorno sócio-econômico de outros gastos orçamentários. Além do seguro-desemprego, a arrecadação do PIS poderia ser usada para custear gastos em educação primária e secundária, por exemplo. A produtividade do trabalhador brasileiro é baixa nem tanto pela ausência de capital físico à sua disposição (especialmente nas empresas tipicamente financiadas pelo BNDES), mas pela sua baixa escolaridade. Então, o gasto em educação é um candidato natural para se avaliar o retorno social relativo dos empréstimos do banco. Mas jamais se avaliou se o retorno sócio-econômico de 40% da arrecadação do PIS investidos em educação é maior ou menor do que o retorno dos financiamentos do BNDES. Nem o próprio banco, em defesa de sua atuação, produziu essa comparação. A segunda forma de uso dos recursos do FAT seria o abatimento da dívida do setor público. Na contabilidade do setor público, como o FAT é um ativo da União, quanto maior o valor do fundo, menor a dívida líquida do governo. Em janeiro desse ano a dívida líquida do setor público correspondia a 51,5% do PIB. O FAT está avaliado em R$ 104,04 bilhões. Se valesse zero, a razão dívida/PIB subiria para 57,1%. Para efeito de exercício, suponhamos que desde 1996 o FAT fosse usado para comprar títulos públicos com juros indexados à SELIC. Nesse caso, no lugar de valer R$ 104,04 bilhões, valeria hoje R$ 166,9 bilhões, e a dívida líquida do governo como porcentagem do PIB seria de 47,55%.

Como o fundo resulta da arrecadação de um tributo, não pertence propriamente ao trabalhador, mas aos cidadãos de modo geral

Quais os ganhos e perdas dessa alternativa vis-à-vis os financiamentos do BNDES? A principal perda parece muito clara: as empresas financiadas pelo BNDES teriam que recorrer ao mercado e algumas não seriam capazes de financiar seus projetos. Com isso, o crescimento da capacidade produtiva e a geração de empregos seriam menores. Essa última conclusão, entretanto, é parcial e discutível. Entre 1997 e 2004, a capitalização do FAT pela SELIC equivaleria a uma redução do déficit do governo da ordem de 0,54% do PIB ao ano com as seguintes implicações: a poupança negativa do setor público, a diferença entre investimento e poupança domésticos e o crescimento da dívida pública seriam menores, com o que o prêmio de risco-país e a taxa de juros seriam também menores. Esse último ponto é básico: o fato das taxas de juros básica do Banco Central e de mercado caírem significa que o custo do capital para todas as empresas, e não apenas as que encontram financiamento no BNDES, seria menor. Além do efeito direto sobre o custo do crédito, a redução dos juros seria um estímulo para o desenvolvimento dos mercados de capitais e imobiliário. Há um ponto adicional, mais controverso. Se o custo do funding fosse o mesmo, que investimentos trariam maior aumento do PIB, aqueles financiados pelo BNDES ou aqueles financiados pelos bancos privados? Quem defende que os primeiros trariam maior retorno, pensa que o BNDES tem uma visão global e estratégica da economia brasileira, que maximiza o retorno sócio-econômico dos recursos do FAT. Esse argumento pode ser usado a favor de manter o subsídio da TJLP. Mas não seria difícil encontrar quem pensasse diferente, que os bancos privados, visando o retorno dos poupadores, fazem escolhas iguais ou melhores que o BNDES. Além do mais, os bancos privados concorrem entre si e talvez cobrassem taxas de administração e risco inferiores ao BNDES. De modo que a combinação de juros mais baixos, de um lado, e maior participação do sistema de crédito privado, de outro, poderiam, ao fim e ao cabo, dar uma contribuição mais positiva para o crescimento da economia brasileira e a geração de empregos. Se a redução dos juros compensaria a redução dos investimentos diretamente financiados pelo BNDES, ninguém sabe. Mas é justamente porque ninguém sabe que a questão deveria ser discutida, principalmente quando todos estão de acordo que a taxa de juros é muito alta no Brasil.