Título: Más notícias para o setor de eletrônicos
Autor: Eli Noam
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2005, Empresas &, p. B2

Nos últimos dias, os principais executivos de duas gigantes dos eletrônicos de consumo, a Sony e a Toshiba, foram substituídos. Numa manobra ainda mais incomum, a Sony promoveu um ocidental, Sir Howard Stringer, para o principal posto na companhia. Também recentemente, a Fujitsu e a NEC encolheram suas operações de produtos eletrônicos de consumo. O que está acontecendo? Além das especificidades de cada companhia, o setor como um todo está sob pressão há algum tempo. E, ironicamente, isso ocorreu apesar das enormes inovações da indústria. Há anos, os aparelhos eletrônicos de consumo vêm ficando menores, mais rápidos e mais inteligentes. Mas também estão ficando mais baratos por causa da competição acirrada dos países que produzem a baixos custos e da convergência das indústrias eletrônicas. Enquanto isso, os custos de pesquisa e desenvolvimento e de marketing crescem, enquanto a adoção pelo consumidor fica atrás das inovações nos produtos. Hoje, uma pessoa pode comprar um DVD player decente ou um aparelho de TV convencional por cerca de US$ 50. Os produtos eletrônicos de consumo se tornaram a última grande pechincha. Até mesmo as caras TVs de tela plana registram uma queda acelerada nos preços. Esses movimentos abalaram a lucratividade do setor. Será que existe um alívio além da esquina? Uma das esperanças do setor é ligar seu equipamentos a conteúdo, isso sob o mesmo teto corporativo. Presumivelmente, a missão de Stringer na Sony é fortalecer essas sinergias, dado sua formação na área de TV. Ainda assim, essa integração também tem um ponto negativo: ela cria restrições. Dilui o tempo de qualidade administrativa em empresas que já precisam lidar com um número estonteante de produtos, componentes e países. E isso não tem funcionado bem para a Sony, nem para a Matsushita. Em anos recentes, os temores da divisão de música da Sony com a pirataria, compartilhados por todo o setor da música, impediram a companhia - líder histórica na área de produtos eletrônicos de consumo - de assumir a liderança no segmento de tocadores portáteis de música MP3. Por outro lado, a Apple, uma forasteira que não tem uma divisão de música com que se preocupar, ganhou o controle do mercado. Estará a Sony se transformando numa RCA, uma companhia visionária que dominou os mercados de produtos eletrônicos e de veiculação de conteúdo na década de 20, apenas para desaparecer nos anos 80? A segunda esperança do setor é um novo ciclo de produtos que possa desencadear as compras pelo consumidor. Tal estratégia está centrada nas "redes domésticas" que conectam todos os eletrônicos domésticos, de TVs a PCs, DVDs e telefones, impressoras e até mesmo geladeiras. Essa rede de áudio, vídeo, dados, controle ambiental e utensílios domésticos por conexões com e sem fio é uma tarefa bastante complexa, principalmente porque precisa ser de fácil utilização pelo usuário. Mas ela tornará os aparelhos eletrônicos de consumo mais poderosos e desejáveis e levará a uma nova rodada de substituições. O novo negócio é estimado por um banco de investimento em US$ 250 bilhões. Um quarto de 1 trilhão de dólares merece atenção, mas é realista? O mais provável é que a redes domésticas venham a acelerar o declínio do setor no longo prazo. A maneira tradicional de fabricar eletrônicos é fazê-los com múltiplos elementos, como sua própria memória, processamento de sinais, antena e software.

Empresas do setor estão cada vez mais pressionadas

Mas se todos os aparelhos de uma casa estiverem conectados entre si, porque duplicar essas funcionalidades? Ao invés disso, faz mais sentido obter aparelhos especializados e poderosos - bancos de memória, antenas centrais, processadores de alta velocidade e sensores -, e fazer uma rede interna com eles, de modo que possam servir toda uma variedade de aparelhos domésticos. À medida que esse processo ganha raízes, a tecnologia eletrônica torna-se bastante invisível, porém mais penetrante, assim como a eletricidade ou a água. O que fica muito visível é, principalmente, as telas de display. Os módulos eletrônicos especializados, enquanto isso, serão relegadas a algum armário no porão. E por que parar aí? As funcionalidades eletrônicas poderão avançar ainda mais, para instalações distantes de provedores comerciais de serviços eletrônicos ao consumidor, que terão software e hardware poderosos, e o conhecimento para atendê-los com confiabilidade. Nesse cenário, os produtos eletrônicos de consumo são transformados de aparelhos em serviço. Um exemplo familiar é o voice mail, que as companhias telefônicas locais estão usando para substituir as secretárias eletrônicas em casa, reduzindo as vendas desses aparelhos. Qual será o impacto sobre as empresas de eletrônicos de consumo? Isso significa, depois de um aumento inicial da demanda, uma importância menor das marcas estabelecidas de produtos de consumo e uma tendência ainda maior em direção aos mercados de produtos sem diferenciação. A infraestrutura de equipamentos atual será instalada por provedores de serviços distantes, em vez do consumidor. E nesse mercado comercial, companhias de tecnologia da informação (TI) e empresas eletrônicas especializadas têm mais credibilidade que as empresas de produtos eletrônicos. Há também uma chance de que as próprias redes domésticas venham a ser dominadas pelas operadoras de TV a cabo, telecomunicações e operadoras de redes sem fio, ou mesmo pela Microsoft, com sua influência sobre os sistemas operacionais. Essas companhias poderão estabelecer condições para os equipamentos de interconexão e apertar as empresas de eletrônicos de consumo. Estamos nos mudando para uma casa eletrônica que "opera" em rede. Isso será uma benção para os consumidores, mas vai ajudar a indústria de produtos eletrônicos? Depois de uma agitação inicial, as redes domésticas vão apenas acelerar os problemas dessas empresas. Na medida em que interconectamos múltiplos aparelhos em casa, também possibilitamos sua separação física da casa. E isso é uma má notícia para os caminhos tradicionais da indústria de eletrônicos de consumo, não importa quem seja o executivo-chefe.