Título: Linha de investigação inclui extermínio
Autor: Trindade, Naira
Fonte: Correio Braziliense, 03/03/2010, Cidades, p. 53

Integrante da CPI revela que o envolvimento de policiais no desaparecimento de jovens na cidade goiana é uma das hipóteses. PF avisa: se isso for constatado, nomes dos envolvidos serão divulgados

Parentes e amigos dos jovens desaparecidos acompanharam a audiência pública da CPI do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes: temor ao saberem da possibilidade de extermínio

A Polícia Federal não descarta o envolvimento de policiais no desaparecimento(1) dos seis jovens de Luziânia, município distante 66km de Brasília. É a primeira vez que os responsáveis pelo caso afirmam investigar também a possibilidade de extermínio na região. A linha apresentada ontem durante uma audiência pública da Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Desaparecimento de Crianças e Adolescentes, na Câmara dos Deputados, foi apontada pelo deputado Geraldo Pudim (PMDB-RJ). Ao ouvir o anúncio, Cirlene Gomes, 42 anos, ficou apavorada. A dona de casa lembrou-se imediatamente da vez em que seu filho, George dos Santos, 17 anos ¿ desaparecido desde 18 de janeiro ¿, chegara em casa reclamando que teria apanhado de militares na rua. ¿Eu gelei ao ouvir o deputado. Meu filho já levou um tapa no rosto e um chute nas costas de policiais¿, contou a moradora do Parque Estrela Dalva 8.

A suspeita de que grupos de extermínio atuem no Entorno é antiga. Em 2007, o Correio divulgou, na série de reportagens Tráfico, extermínio e medo, a violência na região, a ação dos traficantes de drogas, a sensação de medo nas ruas e o descaso das autoridades públicas em relação à área esquecida. À época, as investigações jornalísticas provocaram reações entre os governos federal, do Distrito Federal e de Goiás, que prometeram reforço policial e investimentos em segurança pública na área. Também foram motivo de pronunciamentos indignados na Câmara dos Deputados e de protestos nas ruas das cidades que vivem sob o terror.

Anos depois, o misterioso desaparecimento de seis jovens reacende a discussão da falta de segurança no Entorno e dos vários problemas sociais vividos pela população. O policiamento continua insuficiente para atender a toda a demanda do município, que já conta com mais de 200 mil habitantes. O medo volta a imperar entre os moradores. E o trabalho investigativo da polícia civil segue deficitário. ¿No Brasil, durante muitos anos, os investimentos (2)foram direcionados para o esquema de policiamento ostensivo. A inteligência policial é deficiente. Temos que investir na inteligência, na estruturação tecnológica das perícias estaduais para poder dar condições de a polícia investigar os desaparecimentos¿, defendeu o ministro da Justiça, Luiz Paulo Barreto. ¿É muito grave, pois 50% das investigações de homicídio não chegam a descobrir autor. Se não conseguimos apurar nem a autoria dos crimes, quem dirá buscar pessoas desaparecidas¿, pontuou o ministro.

Medo Mãe de George, Cirlene Gomes ficou assustada com a hipótese de extermínio no sumiço dos adolescentes. Sem imaginar que tal linha seria investigada, a dona de casa não se lembra se chegou a relatar aos investigadores o episódio em que o filho teria apanhado de policiais militares na rua de Luziânia. ¿Ele estava com o primo dele quando a polícia chegou. Ele não tinha nenhum problema com os policiais, mas estava acompanhado do primo, que respondeu a um PM. Então, os homens deram um tapa no rosto dele e um pontapé nas costas. Quando chegou em casa, ele ainda andava com dificuldades¿, lembrou Cirlene. De acordo com ela, o caso teria ocorrido há pelo menos dois meses.

O delegado da Polícia Federal responsável pelo acompanhamento da investigação do desaparecimento de jovens em Luziânia, Hellan Wesley Almeida, avisa: ¿Extermínio não está descartado. Se a PF descobrir que existe (extermínio) na região, vai divulgar o nome dos envolvidos, doa a quem doer¿, ameaça. De Goiânia, por telefone, o chefe do Departamento Judiciário da Polícia Civil de Goiás, Josuemar Vaz de Oliveira, terceiro a assumir a frente das investigações, também não eliminou a suspeita. No entanto, alerta que não há indícios de envolvimento de policiais porque o perfil das vítimas não é de criminosos. ¿Eles não são criminosos, portanto, não têm o perfil de extermínio¿, contou, sem querer descartar nenhuma das hipóteses analisadas: trabalho escravo, tráfico de pessoas e de órgãos humanos, rebeldia e ritual de magia negra. ¿Quando a polícia cria especulação, a própria polícia sofre com a especulação¿, emendou.

Na luta para acelerar a solução dos casos, as mães de Luziânia se encontrarão às 10h de hoje na Assembleia Legislativa de Goiás, em Goiânia, onde serão ouvidas pelo secretário de Segurança Pública do Estado de Goiás, Ernesto Roller; pelo coordenador do Centro de Apoio Operacional da Infância, Juventude e Educação, Everaldo Sousa; pela delegada de Proteção à Criança e ao Adolescente, Adriana Sauthier Accorsi; pelo presidente do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente, Edson Lucas Viana; e pela ex-representante dos Conselhos Tutelares do Estado de Goiás, Ana Lídia Fleury.

1 - Sumiços Seis jovens desapareceram do Parque Estrela Dalva, em Luziânia. Os sumiços começaram em 30 de dezembro, quando Diego Alves Rodrigues, 13 anos, não retornou para casa. Diego saíra de casa, no Parque Estrela Dalva 4, para ir a uma oficina de carros. Ele nunca mais foi visto. Na sequência, Paulo Victor Vieira de Azevedo Lima, 16 anos; George Rabelo dos Santos, 17; Flávio Augusto dos Santos, 14; Divino Luiz da Silva, 16; e Márcio Luiz de Sousa Lopes, 19, sumiram.

2 - Novo sistema O ministro da Justiça também lembrou que o sistema nacional de identificação biométrico (por meio da digital) deve começar a funcionar ainda este ano. ¿Com esse sistema, tiramos parte do peso da polícia e conseguiremos desvendar onde estão os desaparecidos¿, acredita Luiz Paulo Barreto. O investimento para o sistema, segundo o ministro, será de R$ 11 milhões por ano.