Título: Volatilidade blindada
Autor: Flavia Lima, Felipe Frisch e Catherine Vieira
Fonte: Valor Econômico, 23/03/2005, EU &, p. D1

A oportunidade de ter uma parte dos investimentos em bolsa sem estar sujeito aos movimentos bruscos do mercado de ações está aumentando a procura pelos fundos de arbitragem. Estudo do Valor com base nos dados do site Fortuna indica que, em cinco meses, o patrimônio dessas carteiras cresceu 80%, de R$ 1,026 bilhão no fim de outubro para R$ 1,8 bilhão. Outro sinal de que o setor está na moda é que, desde outubro, quatro novos fundos dessa categoria foram lançadas, como o Striker 28, da Fama Investimentos, e o Arbitragem, da Fator Administração de Recursos (FAR). Abertos para captação em 2005, ambos são réplicas de carteiras de arbitragem mais antigas das gestoras e foram lançados justamente em razão da alta procura. As cariocas ARX Capital e Modal confirmam que têm fundos saindo do forno e outras gestoras - como a Pátria e a Hedging-Griffo - estudam o lançamento da carteira para breve. Hoje, a HG apenas administra e distribui fundos de arbitragem de outras gestoras. Mais conhecidos como "long-short" (gíria americana que corresponde aos termos 'comprado' e 'vendido'), esses fundos têm como principal estratégia a compra de um ativo combinada à venda de outro, de forma a lucrar com a diferença entre os preços dos papéis. Entre as operações mais conhecidas, estão a compra de uma carteira de ações e a venda do índice futuro e a arbitragem entre preços de ações ordinárias e preferenciais, ou entre papéis de uma holding e de uma de suas controladas e entre setores. "Se acho que uma ação ON pode subir mais ou cair menos do que uma PN, vale a pena arbitrar", explica Mauro Morelli, superintendente de fundos multimercados do Banco Itaú. Os gestores reconhecem que há uma espécie de corrida para lançar essas carteiras. Para José Alberto Tovar, da ARX, havia uma tendência muito forte entre os fundos mistos brasileiros de seguir tendências direcionais - apostando na alta ou na baixa de um ativo. Após 2003, quando o Ibovespa subiu 97%, essa estratégia teve de ser revista. "A aposta direcional passou a oferecer ganho menor e acabava todo mundo na mesma ponta", lembra. Para o vice-presidente do BNP Paribas, Marcelo Giufrida, as baixas performances dos fundos multimercados tradicionais também justificam a corrida pelos long/short. Embora existam fundos de arbitragem classificados como fundos de ações, a maior parte deles é enquadrada como multimercado - categoria que há pelo menos um ano vem sofrendo com a falta de tendência dos mercados. Em 2005, até o dia 18, os multimercados tradicionais têm rendimento médio de 3%, ante alta de 3,6% do CDI, segundo o Fortuna. Já entre os long/short, o ganho médio é de cerca de 5%. Giufrida diz ainda que a boa liquidez da bolsa e a dinâmica "cada vez mais singular" dos diferentes setores puxam o interesse pelos long/short. "Nesse cenário, as ações se comportam de maneira diversificada e os gestores têm mais oportunidades de fazer arbitragens", diz. Lançado em outubro, o long-short do BNP, o Grand Slam, tem patrimônio de mais de R$ 60 milhões. A expectativa, diz Giufrida, é fechar o fundo para captação quando estiver em R$ 100 milhões. Na avaliação de Sauro Sola, sócio da Questus Asset Management, o aumento da procura por estes fundos se deve aos ganhos da bolsa, especialmente no mês passado, quando o Ibovespa subiu 15,56%. "Depois dessa alta, o mercado tende a explorar as distorções de preços", diz. Para o gestor, após essa valorização, o cenário de médio prazo para a bolsa fica indefinido, então a solução é se proteger. "O mercado de ações tem um grande potencial de alta, mas grande parte disso já foi colocado nos preços das ações em fevereiro", diz Sola. Fábio Alperowitch, da Fama Investimentos, diz que a onda de lançamentos preocupa porque pode envolver gestores que não entendem de bolsa. "É estratégia de marketing para crescer", diz. "Cabe ao cliente avaliar o histórico de cada um porque na primeira crise alguns gestores vão dançar", acrescenta. A Fama tem dois long/short: o Sniper, que acumula rendimento equivalente a 185% do CDI em 12 meses, e o recém-lançado Striker. Augusto Lange, sócio da NEO Investimentos, destaca que a procura pelos dois tipos de fundos é cíclica. "Hoje os long/short estão em voga porque o cenário econômico não está claro, mas isso pode mudar", diz. Já Morelli, do Itaú, acha que o forte crescimento dos fundos de arbitragem é parte do amadurecimento do setor. "Quando se fala em moda penso em algo passageiro, o que não cabe para esses fundos." Segundo Tovar, da ARX, uma pesquisa para o lançamento do fundo da gestora mostrou que já há pelo menos 20 produtos desse tipo no mercado. Alguns, no entanto, já estão fechados para captações. "Para poder fazer um fundo realmente bom nesse nicho não dá para ficar muito grande, com mais de R$ 100 milhões", completa. A ARX lançará seu long/short dia 2, com aplicação mínima de R$ 20 mil. A Modal Asset, que iniciou suas atividades no ano passado, também vem investindo em novos tipos de fundos, incluindo um long/short. Segundo o diretor responsável, Alexandre Póvoa, a idéia é dar ênfase à taxa de performance e reduzir a de administração em relação à média do mercado. Isso porque, no caso da Modal, o fundo terá um perfil mais agressivo. "Nossa intenção não é focar só a arbitragem, mas abrir espaço para estratégias direcionais também", conta Póvoa. A aplicação mínima deverá ser de R$ 50 mil. Uma das dificuldades na hora de escolher o fundo long/short é a falta de uma classificação mais detalhada, o que pode acabar levando a comparações equivocadas entre carteiras, explica Dany Rappaport, sócio da Investport. O executivo administra fundos de fundos, tendo hoje 36% do volume sob gestão dedicado a long/shorts do mercado. Ele explica, por exemplo, que há fundos "market neutral", que compram ações e ficam vendidos no mesmo valor. Há os que fazem isso com ações de um mesmo setor, como telecomunicações, ou entre setores diferentes. "Outra possibilidade é alugar um papel que não se tem na carteira, para vendê-lo, esperando que a ação caia, para depois recomprá-la quando precisar devolver", explica. "O risco nesse caso é o papel subir", diz. Há ainda as arbitragens clássicas, de compra de um papel e venda de outro no mercado de opções, ou de ONs versus PNs, por exemplo.