Título: O perigo que vem do Sul
Autor: Sergio Leo
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Brasil, p. A2

Mais enfática ao falar dos risco e incertezas no exterior, com a elevação dos juros nos Estados Unidos e a alta renitente dos preços de petróleo, a ata do Comitê de Política Monetária (Copom) de março levanta também um tema que deve se repetir nas próximas reuniões das autoridades encarregadas da política monetária: os aumentos de preços por "fatores climáticos" - o provável empurrão inflacionário provocado pela rigorosa seca no Sul do país. A ata ressalta que o crescimento dos índices de preços ao atacado se deve principalmente aos produtos agrícolas, especialmente às "acentuadas elevações no preço de ovos", de 26%, que praticamente compensaram as quedas nos preços de aves, soja, suínos, feijão e bovinos. Nessa lista de cinco produtos, três (as carnes suína e de frango e a soja) podem pressionar para cima os próximos índices de inflação, ou, no mínimo, interromper os efeitos positivos que vinham tendo sobre os preços. "Acabou a âncora verde, que ajudou a conter a inflação com a redução de preços agrícolas", constata o economista José Roberto Mendonça de Barros. Mais que a repetição, ao Sul, do drama que costuma afligir o Nordeste, a seca atual, em uma região de maior poder aquisitivo e grande produtora agrícola e industrial (com forte vocação para o agronegócio) terá efeitos mais danosos à economia do país, ainda que compensados, em parte, pelos benefícios que a alta de preços trará às economias de regiões não afetadas pela estiagem, como as áreas mais produtivas do Mato Grosso e Mato Grosso do Sul. As estimativas do impacto da estiagem sobre o comércio exterior variam, de US$ 1 bilhão, na estimativa da MB Associados, de Mendonça de Barros, a US$ 2 bilhões, pelos cálculos da Farsul, a federação dos produtores do Rio Grande do Sul. Não é grande coisa comparado ao total de exportações, superior a US$ 115 bilhões previsto para o ano, mas é o suficiente para provocar grande estrago na economia local, a ponto de a Farsul sugerir algum tipo de imposto sobre os produtores das outras regiões, beneficiados pela alta de preços. "Os agricultores do Rio Grande do Sul terão preço, mas não terão produto", comenta Fábio Silveira, da MS Consult. Isso após um ano em que os produtores esperavam cobrir os prejuízos com a quebra de safra do ano anterior. Segundo calcula a MS Consult, a quebra de safra da soja deverá ficar entre 56% a 73%; a da primeira safra de milho, entre 31% a 50%, e a de arroz, próxima a 21%. "Preços que estavam em queda, como o do milho, já começaram a disparar", alerta Silveira. A perda de receita desses produtores deverá ficar entre R$ 4,2 bilhões e R$ 7,2 bilhões. A Emater-RS aposta em quebra de 62% para a soja e já aponta uma perda superior a 50%, até agora, nas lavouras de milho. Os gaúchos apostavam na safra de 2005 para se recuperar da quebra ocorrida no ano passado. Já se inicia o movimento pela renegociação ou perdão das dívidas com o Banco do Brasil. E produtores afetados querem tirar da lista de exceções do Mercosul adubos e fertilizantes hoje sujeitos a tarifa externa, para importá-los sem imposto dos países vizinhos e sócios.

Quebra de safra traz riscos à inflação

A situação dos produtores se reflete na indústria de fertilizantes, maquinas agrícolas e outros produtos e serviços vendidos ao meio rural, e faz cair a receita do governo estadual, como nota o secretário de Desenvolvimento do Rio Grande do Sul, Luís Roberto Ponte, que prevê uma queda de R$ 200 milhões na receita estadual só pelos efeitos diretos da seca, o equivalente a um quarto da receita mensal de ICMS. "Há ainda os efeitos indiretos, do impacto da queda de renda dos agricultores", lembra ele. O governo, que já cogitava interromper o pagamento da restituição do ICMS a que os exportadores têm direito, agora não tem alternativa e vai deixar de transferir R$ 600 milhões a essas empresas, anuncia Ponte. Mendonça de Barros lembra que a única indústria com redução da produção tem sido a de máquinas agrícolas, uma queda de 20% que já se reflete em aumento de desemprego, no Paraná e no Rio Grande do Sul. A MB Associados não reviu suas estimativas de inflação porque já estavam acima da média calculada pelo mercado, apontando para 6,2% no IPCA neste ano, explica o economista Mal começou a contabilidade das perdas com a seca no Sul. Não será surpresa se ela se vir refletida nas próximas atas do Copom. Criticado por conceder à China o status de "economia de mercado" - gesto político que, até agora, não se concretizou em legislação de efeitos práticos - o governo brasileiro já pode contabilizar pelo menos três conseqüências positivas para o país. A primeira foi, ainda no ano passado, a solução em tempo recorde de pendências sanitárias que poderiam bloquear a exportação de óleo de soja brasileiro à China. A remoção dos entraves burocráticos chineses nem de longe se assemelhou à pendenga que cercou a venda de carregamentos de soja com traços de transgenia, meses antes. Na semana passada, a China anunciou o apoio (o primeiro de um grande país em desenvolvimento ) à candidatura do brasileiro Luis Felipe de Seixas Correia à direção-geral da Organização Mundial do Comércio (OMC). E, na véspera da sexta-feira Santa, anunciou um belo presente de Páscoa para a Embraer, ao confirmar, depois de muitas evasivas, a compra de cinco jatos ERJ 145, para a estatal China Eastern Airlines. Na visita do presidente chinês, Hu Jintao, a demanda pela confirmação de compra das aeronaves chegou a motivar um anexo aos acordos firmados entre os dois governos. O presidente da Fiesp, Paulo Skaf, vinha mencionando as encomendas suspensas da Embraer como exemplo do mau negócio feito pelo Brasil ao reconhecer a China como economia de mercado. Sobrou para Skaf, nesse caso, pelo menos um argumento: os pedidos recém-anunciados são só metade dos 10 aviões que os chineses haviam prometido comprar. A movimentação, no governo, para levantar barreiras a produtos chineses que o Brasil vem importando com sofreguidão, poderá testar a tese de que o país ficou sem instrumentos contra abusos de concorrentes chineses.