Título: Jucá descarta nova reforma antes de 2007
Autor: Mônica Izaguirre
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Brasil, p. A9

O novo ministro da Previdência, Romero Jucá, avalia que, mais cedo ou mais tarde, o Brasil terá que fazer nova reforma da Previdência Social. Na sua opinião, sem endurecer os atuais critérios de concessão de aposentadoria, o déficit nas contas da Previdência não será resolvido, embora possa ser minimizado. Hoje, para se obter aposentadoria integral independente da idade, bastam 35 anos de contribuição aos cofres da Previdência para os homens e 30 anos para as mulheres. A aposentadoria por idade pode ser concedida aos 65 anos para homens e aos 60 para mulheres, com 15 anos de contribuição. Jucá entende, porém, que a "inevitável" revisão desses parâmetros é tarefa para 2007 ou depois, porque, antes, o governo precisa "fazer sua lição de casa" e tomar providências administrativas para cortar despesas e incrementar receita. Por isso, foi anunciado, na semana passada, um pacote de medidas para reduzir o déficit anual da Previdência, para R$ 32 bilhões este ano e para R$ 24 bilhões em 2006. O rombo era estimado em R$ 38 bilhões para ambos os anos. As regras de concessão do auxílio-doença ficaram mais rígidas. Um cruzamento de dados será feito para identificar e cancelar benefícios acumulados e fraudulentos. Uma supersecretaria, juntando a Receita Federal e a Receita Previdenciária, será criada para tornar mais eficientes a arrecadação e a fiscalização. Com isso, o governo também se prepara para regulamentar o dispositivo constitucional que manda transferir para o faturamento das empresas parte da base de cálculo das contribuições patronais à Previdência, hoje só sobre a folha salarial. Em entrevista ao Valor, Jucá adiantou outras medidas que estão em estudo. Valor: A meta de redução do déficit não é ambiciosa demais? Romero Jucá: Ambiciosa é, mas tem que ser buscada. Fizemos as contas, checamos os dados e concluímos que a meta é factível, embora vá exigir muito esforço. Valor: Qual das medidas anunciadas é a mais poderosa? Jucá: Temos muita expectativa em relação a duas medidas que se combinam: a mudança promovida pela Medida Provisória nas regras de cancelamento de benefícios e o cruzamento do cadastro da Previdência com as bases de dados de outros órgãos do governo. Isso nos permitirá identificar e cancelar benefícios irregulares, obtidos mediante fraude, ou acumulados. Valor: O que mudou na lei para facilitar o cancelamento de benefícios? Jucá: Até então, mesmo que você descobrisse uma irregularidade, depois de dez anos, não se podia mais cancelar um benefício. Tal impedimento acabou. Além disso, estamos classificando como má-fé o fornecimento de informação ou dado falso que possibilite a alguém receber mais de um benefício da Previdência Social. Não se pode acumular benefícios. Em 2003, a Previdência gastou pelo menos R$ 260 milhões com benefícios duplicados. Isso é só o que foi identificado, sem nenhum cruzamento de cadastro. Como não havia lei específica tratando isso como ato de má-fé por parte do beneficiário, o governo tinha problemas para cancelar, pois havia muito espaço para contestação judicial. Agora estamos definindo isso como ato de má-fé, como crime. Valor: Há alguma estimativa de quantos benefícios são irregulares e portanto sujeitos a cancelamento? Jucá: Não dá para dizer antes de cruzarmos os dados. Valor: Quando começam os cancelamentos? Jucá: Depois de cruzados os dados, na hora que for possível cancelar, cancelaremos benefícios duplicados, irregulares e fraudulentos. Não temos nenhuma intenção de postergar qualquer tipo de ação saneadora. Valor: O que muda na vida das empresas com o pacote anunciado? Jucá: O aprofundamento do combate à sonegação de contribuições previdenciárias devidas pelas empresas ajuda a ter concorrência leal na economia. Nós vamos ter um sistema de acompanhamento mais de perto, principalmente de grandes empresas. A idéia é monitorar um universo de contribuintes (pessoas jurídicas) que hoje representam 70% da arrecadação. Parta tanto, vamos investir no aperfeiçoamento e modernização de sistemas da Secretaria de Receita Previdenciária. Valor: Há dinheiro para isso? Jucá: Existem R$ 100 milhões do projeto piloto do Fundo Monetário Internacional (FMI) e mais R$ 160 milhões do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Valor: O que muda na administração da dívida ativa da Previdência? Jucá: Vamos intensificar os procedimentos de cobrança a partir de meio eletrônico. Haverá execução eletrônica de débitos. Valor: O governo desistiu do projeto de lei para permitir penhora de faturamento das empresas? Jucá: Não. Mas a proposta ainda está sendo estruturada. O projeto irá para o Congresso quando a solução estiver pronta. Valor: A limpeza do cadastro, via cruzamento com outros bancos de dados, vai pegar o auxílio-doença? Jucá: Vamos checar todos os tipos de benefício. Os gastos da Previdência com auxílio-doença tiveram um crescimento vertiginoso. Nós mudamos a carência e fórmula de cálculo do auxílio porque não se pode sair de R$ 2 bilhões, em 2002, para R$ 9, 8 bilhões, em 2005. Valor: Quando vai ser criada e a quem será submetida a futura Secretaria da Receita do Brasil? Jucá: Temos que fazer isso com cuidado, na forma e no tempo corretos, para não sacrificar a arrecadação. Será necessário unir as estruturas da Secretaria da Receita Federal e da Secretaria de Receita Previdenciária, o que deve implicar unificação de carreiras dos servidores de cada uma. Enquanto a nova secretaria, que vai ser criada no âmbito do Ministério da Fazenda, não se estrutura, as duas secretarias vão trabalhar juntas. Valor: Por que o governo quer juntá-las? Jucá: Para racionalizar custos e procedimentos. É preciso lembrar ainda que, numa das etapas da reforma tributária, colocou-se na Constituição que parte da contribuição das empresas para a Previdência Social incidirá sobre o faturamento e não sobre a folha de salários. A regulamentação dessa norma constitucional implicará mudança no perfil de cobrança e de fiscalização, uma vez que a base de cálculo de parte do recolhimento das empresas à Previdência será diferente. Isso requer um aparelhamento que a Receita Federal tem muito mais do que a Receita Previdenciária. Valor: Como ficarão as alíquotas de contribuição das empresas à Previdência, depois que parte da incidência for deslocada da folha salarial para o faturamento? Jucá: Nós temos que retomar essa discussão. Não temos ainda um estudo conclusivo. Seria prematuro dizer. Valor: As medidas anunciadas ajudam a reduzir o déficit, mas não o desequilíbrio estrutural das contas da Previdência, que tende a se agravar com o aumento da expectativa média de vida da população. Não é hora de propor uma nova reforma, que aumente a idade mínima e o tempo necessário de contribuição para a aposentadoria? Jucá: A reforma previdenciária é um desafio que está posto a todos os países, inclusive o Brasil. O tempo médio de vida das pessoas está aumentando. Se você contribuir 35 anos para a Previdência e for receber aposentadoria por outros 50, a conta não vai fechar. Valor: Mudar os atuais parâmetros de aposentadoria é inevitável, então? Jucá: Sem dúvida. Mas não dá para fazer essa discussão antes de tomarmos providências administrativas de controle de gastos. Temos que, primeiro, fazer o dever de casa, ver o tamanho do problema, ter um bom gerenciamento, um bom sistema. Depois de tudo isso, aí sim teremos condições de chegar na sociedade e rediscutir o modelo. Propor uma nova reforma sem isso seria empurrar o custo do problema para a sociedade sem o governo fazer a sua parte. Valor: Quando o governo pretende iniciar a discussão sobre uma nova reforma? Jucá: Não espere nenhuma ação concreta a curto prazo nesse sentido. Até final de 2006, nós temos outra tarefa, que é essa, de implementar as medidas anunciadas e atingir as metas de redução do déficit. Valor: Propor uma nova reforma previdenciária, então, é tarefa para o próximo governo? Jucá: Para o próximo governo ou para este governo num próximo mandato. Valor: No curto prazo, há mais medidas em estudo, além das anunciadas? Jucá: Estamos ultimando um sistema de acompanhamento de obras, em convênio com as prefeituras. O Sisobra, que está em teste, é sistema que vai acompanhar os cadastros de obras das prefeituras, para verificar a metragem das novas construções. Tendo acesso a essa informação, teremos condições de checar se a contribuição à Previdência Social foi paga no volume correto. Se alguém construiu 2 mil metros quadrados e declarou à Previdência que construiu só 200 metros quadrados, hoje, não temos como descobrir. Valor: As medidas adicionais em estudo param por aí? Jucá: Não. Outra questão em análise é o pagamento das contribuições previdenciárias devidas sobre causas trabalhistas julgadas. Queremos fazer convênio com a Justiça do Trabalho para que o valor devido à Previdência seja recolhido no mesmo momento em que a empresa pagar a causa. Valor: Como o senhor pretende reduzir as filas do INSS? Jucá: Vou me debruçar muito sobre mudanças no atendimento à população. Hoje, o modelo é complicado porque concentra demanda. O avanço da tecnologia nos permite pensar em parcerias para desconcentrar o atendimento. Podemos usar bancos, agências dos Correios, casas lotéricas, vários estabelecimentos.