Título: Aliança com PMDB tenta poupar Lula de 2º turno
Autor: Raymundo Costa
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Política, p. A11

O governo federal desencadeia, a partir desta semana, uma ampla ofensiva sobre os setores do PMDB de oposição, especialmente aquele mais ligado ao ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, com dois objetivos declarados: se assegurar de que a sigla não tenha candidato próprio à Presidência em 2006, o que poderia levar a eleição para um indesejado segundo turno, e - a curto prazo - tentar neutralizar o PP na Câmara dos Deputados. Na conversa que teve há uma semana com o deputado Michel Temer (SP), o presidente Lula chegou a afirmar que, se contar com todo o PMDB da Câmara, o governo ficará muito menos dependente do PP nas votações. As demandas fisiológicas do partido deixaram Lula incomodado. A bancada peemedebista tem 89 deputados - desses, algo em torno de 47 são efetivamente leais ao governo Lula. A ofensiva governista começou numa conversa do ministro Jaques Wagner, do Conselho de Desenvolvimento Econômico e Social, e o deputado Geddel Vieira Lima (BA), ex-líder na Câmara. Os dois são da Bahia. Nesse primeiro contato, ficou acertada uma reunião de Geddel com o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu. Foi uma conversa surpreendente. Geddel conta que se queixou a Dirceu do fato de o PT "ver como defeito o que a meu ver é virtude", ou seja, a lealdade do grupo formado entre outros por ele, o ex-ministro dos Transportes, Eliseu Padilha, e Temer ao ex-presidente. Essa lealdade, disse Geddel, de maneira alguma significava que seu projeto político ou o do PMDB estivessem "atrelado" ao de FHC. Vencido o "preconceito", disse Geddel, era possível desde já estabelecer uma relação saudável que permitiria um melhor entendimento em 2006, quando o deputado até admite que o PMDB possa vir a ficar sem um candidato próprio a presidente. Mas as conversas deveriam abranger todos os setores do partido, institucionalmente. Dirceu concordou e foi então marcada a conversa de Temer com o presidente de segunda-feira, 22. Geddel esteve em seguida com o ministro Antonio Palocci (Fazenda), que esta semana, junto com José Dirceu, deve receber Temer e a governadora do Rio, Rosinha Matheus. Estão previstos também conversas com os outros governadores do PMDB e com o ex-governador Orestes Quércia. O deputado Eliseu Padilha (RS), de todos o mais identificado com FHC, já esteve reunido com José Dirceu. Temer, Geddel e Padilha estiveram no centro da articulação que levou a última convenção do PMDB a declarar independência em relação ao governo e que terá candidatura própria em 2006. Mas o grupo não pretende "entregar de bandeja", como diz um dos figurões do partido, a candidatura do ex-governador Anthony Garotinho (RJ). Por isso, só quer discutir uma aliança concreta no ano da eleição. "É evidente que o presidente está interessado no cenário de 2006, mas uma convenção já decidiu pela candidatura própria e só outra convenção poderá modificar esse quadro", disse Michel Temer após a conversa com Lula. No Planalto, trabalha-se a todo vapor para evitar que Lula tenha de se submeter a um segundo turno nas eleições de 2006. Dirceu e o presidente do PT, José Genoino (SP), estão encarregados de tocar o projeto da reeleição. Para compor o PMDB e evitar a candidatura Garotinho, o que colocaria em risco a eleição no primeiro turno, são imaginadas na Casa Civil soluções heterodoxas capazes de deixar os tradicionais aliados e o PT apreensivos. Uma delas, imaginada por Dirceu, seria uma composição com Jarbas Vasconcelos em Pernambuco, pela qual o governador apoiaria a candidatura do prefeito João Paulo ao governo, recebendo em troca apoio na eleição para o Senado. Parece simples, mas é uma obra de engenharia complexa: Jarbas é aliado tradicional do PFL de Marco Maciel, o ministro Humberto Costa (Saúde) é candidato a candidato ao governo estadual e é preciso acertar também com o ministro Eduardo Campos (Ciência e Tecnologia), neto de Miguel Arraes, adversário de Jarbas e quem efetivamente manda no PSB. Há problemas tão ou mais difíceis no Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Distrito Federal, governados pelo PMDB com o PT na oposição. A relação entre as duas siglas também deteriorou-se no Paraná. Curiosamente, na cúpula do PMDB avalia-se que Garotinho pode vir a não ser problema: resolvidos os contenciosos do governo federal com o governo estadual, ele poderia compor, aceitando concorrer ao Senado. "Podemos estar juntos em 2006, se conversarmos agora, pois seremos inimigos em 2006 se não conversarmos", diz Geddel. Se der certo, o governo Lula terá liquidado o último bolsão estreitamente ligado ao PSDB no PMDB e empurra os tucanos de vez para o PFL. Já o grupo que faz oposição sai do isolamento em que se encontra e pode dividir com o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), e com o senador José Sarney (AP) uma interlocução com o governo na qual a bancada na Câmara está fragilizada por conta de sua divisão.