Título: Internacionalização, um desafio para os brasileiros
Autor:
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Opinião, p. A14

Arecente visita do primeiro-ministro da Espanha, José Luiz Zapatero, enfatizando o interesse das empresas espanholas em uma nova onde de investimentos no país, contrasta duas realidades distintas de estímulo à internacionalização de empresas, a realidade espanhola e a brasileira. O investimento direto espanhol no exterior constitui caso único de sucesso sobretudo pela intensidade de seu crescimento. Diferente da estratégia gradualista ocorrida na maior parte dos países, o investimento direto espanhol saltou de uma média de somente US$ 250 milhões/ano nas décadas de 70 e 80 para a incrível média de US$ 15 bilhões/ano a partir de 1994, um salto de mais de 60 vezes. Em outros termos, o investimento espanhol somou mais de US$ 150 bilhões desde 1994, quase 20% do PIB do país. Há várias razões para este comportamento, das quais a entrada na Comunidade Econômica Européia e a coincidência de privatizações na Espanha, liberando as novas empresas privadas para a realização de investimentos no exterior, e a onda de privatizações na América Latina, principal destino do investimento espanhol, constituem importantes fatores explicativos. Mais do que a conjunção destes fatores exógenos, gostaríamos de destacar dois outros elementos fundamentais, quiçá aplicáveis à realidade brasileira: o apoio do setor financeiro e do setor público. A participação do setor financeiro ocorreu sob duas formas: o apoio creditício e a importância crescente do mercado de ações para o financiamento da expansão internacional das empresas. O apoio creditício veio por uma forte expansão do crédito que saltou de ?189,0 bilhões em 1986 para ? 335 bilhões em 2000 para as empresas listadas em bolsa, um aumento absoluto de ? 146,0 bilhões e relativo de quase 80% em apenas quatro anos. Adicionalmente, as empresas espanholas realizaram operações de aumento de capital no valor de 115,0 bilhões entre 1998 e 2001, dos quais cerca de ? 64,0 bilhões foram utilizados para sua expansão internacional. O apoio do setor público ocorre sob vários instrumentos, com destaque para: a) apoio institucional por meio de acordos de bitributação. A Espanha tem 46 acordos de bitributação assinados; b) apoio institucional e técnico por meio das agências de promoção de investimentos e pelos escritórios de comércio exterior; c) dedução fiscal dos investimentos realizados no exterior com possibilidade de dedução de determinados gastos até 25% do imposto de renda devido; e d) seguro de risco político pela CESCE, com cobertura de até 99% sobre riscos de expropriação, conversibilidade, transferibilidade e força maior. Por fim, para evitar que o investimento espanhol utilizasse veículos em outros países com tratamento fiscal favorecido, o governo aprovou a constituição das ETVE's, que são um veículo especial para investimento de residentes e não-residentes no exterior. De forma sumária, sujeito a condições determinadas, as ETVE's permitem a isenção do imposto de renda na Espanha sobre dividendos recebidos de subsidiárias estrangeiras, assim como a isenção de imposto de renda na Espanha sobre ganhos de capital derivados da transmissão de participações da ETVE nestas subsidiárias.

Investimento espanhol no exterior é um caso único, sobretudo pela intensidade de seu crescimento

A importância da internacionalização para a economia espanhola pode ser sintetizada na afirmação de que a vocação da economia espanhola é a internacionalização de suas empresas. Isto porque, ao contrário do senso comum, a internacionalização teria permitido enfrentar seu principal desafio, o desemprego. Pesquisas de opinião pública atestam esta visão positiva: o investimento direto espanhol no exterior tinha uma aprovação de cerca de 50% da população maior de dezoito anos em 1995, percentual que aumentou para 75% em 2003. O Brasil vive período único de crescimento da internacionalização de suas empresas. Trata-se de um processo inicial, que aponta uma evolução importante: o investimento direto brasileiro no exterior saltou de uma média anual de US$ 1,3 bilhão em 1995/1996, para o patamar anual de US$ 3 bilhões após 1998. Em 2004, o investimento direto brasileiro no exterior deu novo salto, para US$ 4,5 bilhões, exclusive Ambev, ou US$ 9,5 bilhões, inclusive. Os principais exemplos de estratégias exitosas de internacionalização concentram-se nas grandes empresas, como Petrobras, CVRD, Votorantim, Gerdau e Embraer. Há também empresas emergentes, como Weg, Marcopolo, Tigre e Sabó. Mais do que as experiências já exitosas, importa destacar o objetivo de internacionalização de uma série de empresas brasileiras, como Camargo Corrêa, CSN, Sadia e Natura. E o apoio do setor financeiro e do setor público? Como estimulá-los? Antes de mais nada, pela discussão das vantagens da internacionalização. Não se trata de um monstro que rouba empregos que poderiam ser gerados no Brasil e que representa fuga de capital e maior desvalorização da moeda nacional. Ao contrário, trata-se de um movimento que fortalece a competitividade da empresa brasileira, permite maiores exportações e maior geração de empregos e, finalmente, não compromete o balanço de transações correntes do país. Referida discussão poderia começar no âmbito do próprio governo, com a revisão da MP 232, que trata da tributação do investimento direto brasileiro no exterior. Conforme proposto, os ganhos derivados de flutuações positivas na taxa de câmbio devem ser tratados como receita financeira, estando sujeitos à incidência de impostos como IRPJ e CSLL. E isto é independente de o investimento ser financeiro ou produtivo. Em suma, o Brasil vive um período de aumento das exportações e de crescimento da presença internacional de suas empresas. É importante que este movimento seja preservado, do lado das exportações e do lado da internacionalização. O setor financeiro e o setor público podem ser fundamentais neste processo, conforme a experiência espanhola nos mostra.