Título: Teses equivocadas sobre taxa de câmbio
Autor: Yoshiaki Nakano
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Opinião, p. A15

Sem dúvida nenhuma, a taxa de câmbio é o preço relativo mais importante de uma economia de mercado. No mundo globalizado, com crescente integração entre as economias, ela se tornou mais importante ainda e estratégica. A taxa de câmbio determina os custos de produção em cada país, portanto a competitividade nacional, e as suas exportações, que, por sua vez, ao gerarem emprego, alavancam a expansão do mercado interno. É assim que as economias crescem. Quando uma empresa, estimulada pela taxa de câmbio, se torna exportadora, ela é obrigada, em seguida, a introjetar na sua estrutura produtiva nacional eficiência na gestão e capacidade de inovação e de marketing, para sobreviver. É por isso que as exportações têm um papel estratégico, ao gerarem demanda efetiva de educação e tecnologia. Além da geração de demanda externa e alavancagem do mercado interno, a taxa de câmbio, em países com baixa poupança pessoal e mercado financeiro estreito, é o principal instrumento de geração de poupança, aumentando a lucratividade das empresas exportadoras. Em países emergentes, onde a eficácia da política monetária é menor do que nos países desenvolvidos, a taxa de câmbio constitui-se também na âncora nominal do sistema de preços. Daí porque praticamente todas as experiências de controle de inflação alta ou de hiperinflação terem como base a fixação da taxa de câmbio. Países que usam esse instrumento de controle da inflação, mesmo quando anunciam de jure que o regime de câmbio é flutuante, de fato administram a taxa de câmbio para ancorar o sistema doméstico de preços, impondo a disciplina competitiva. Se a taxa de câmbio é o preço relativo mais importante de uma economia, o que determina o seu nível? Infelizmente, como não há resposta simples e direta, o primeiro passo é descartar algumas teses equivocadas que se tornam senso comum e dominam a opinião pública e as decisões de políticas, mas que não têm fundamento empírico. A primeira tese dominante é de que o melhor regime de câmbio se situa nos extremos: fixo ou de livre flutuação. No regime fixo, soluções extremas como a dolarização plena e o "currency board" eram defendidas; com o seu fracasso, no entanto, defende-se agora o outro extremo, o regime de livre flutuação, sem qualquer intervenção do governo. Em outras palavras: deixem as forças do mercado atuarem livremente que a "taxa de equilíbrio" será alcançada. Mas ninguém tem a resposta sobre quais seriam estas forças do mercado. A primeira conclusão empiricamente relevante que os grandes especialistas em taxa de câmbio chegaram é de que nenhum modelo teórico é capaz de prever o comportamento das forças de mercado. Mais do que isso: uma brincadeira com uma tabela de números aleatórios (modelo de random walk) é capaz de prever melhor do que qualquer destes modelos teóricos.

O melhor câmbio fixo é o ajustável; a melhor flutuação é a administrada de forma a gerar emprego e crescimento com estabilidade

A idéia de taxa de câmbio de "equilíbrio" como o nível ideal para o qual as forças do mercado fariam convergir no longo prazo também não tem sustentação, pois sabemos que 99% das transações de câmbio são transações financeiras. Compra-se moeda de um país para comprar outras moedas de outro, que compram ativos financeiros. Assim, os determinantes da taxa de câmbio têm, no dia-a-dia, pouco a ver com as transações relacionadas às exportações e importações e tudo a ver como uma transação de ativos financeiros. Diferentemente do feijão ou arroz, que têm custo de produção e, em última instância, determina o seu preço de equilíbrio, a emissão de moeda de um país não tem custo de produção relevante. Daí as grandes flutuações na taxa de câmbio. Em países como o Brasil, com mercado financeiro quatro a cinco vezes menor relativamente quando comparado a países desenvolvidos e com pequena abertura comercial, a integração financeira, com a liberalização da conta de capital, trouxe flutuações tão violentas na taxa de câmbio, sem tetos e pisos naturais, que mesmo os fundamentalistas de mercado do Banco Central acabam sendo obrigados a intervir no mercado de câmbio. Basta lembrar os eventos de 1998/99 e 2002, que custaram dezenas de bilhões de reservas cambiais e de emissão de títulos cotados em dólar para conter as desvalorizações. Mais recentemente, a desmesurada elevação na taxa de juros provocou uma grande valorização do real, que só foi interrompida pelas massivas intervenções do Banco Central. Destas experiências empiricamente observadas derivam duas conclusões importantes. Primeira, os países emergentes sofrem do fenômeno conhecido como "fear of floating". As autoridades monetárias nestes países anunciam livre flutuação, mas de fato intervém no mercado de câmbio porque as flutuações cambiais provocam estragos de tal ordem que nem o mais conservador ou independente dos bancos centrais resiste. A segunda conclusão é de que nenhum regime de câmbio é bom para todos os países: para cada momento e circunstância há um bom regime. Mas então o que determina a taxa de câmbio e qual o melhor regime? A melhor resposta deve ser encontrada nas experiências históricas bem sucedidas, e a cada momento em particular. Dependendo das características estruturais da economia, podemos adotar um regime mais adequado. Creio que devíamos seguir o conselho dos asiáticos: a taxa de câmbio que é boa para o país é aquela que aumenta as exportações e gera volume de emprego satisfatório. O melhor câmbio fixo é aquele ajustável e a melhor flutuação é aquela administrada de forma que possamos levar àquela taxa que gera emprego e crescimento maior possível com estabilidade. Formular boa política econômica requer pragmatismo, deixando as doutrinas de lado. É também uma arte, na qual o compromisso com o bem-estar da população deve estar acima de tudo.