Título: BC já abandona meta de inflação de 2005
Autor: Luiz Sérgio Guimarães
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Finanças, p. C2

O relatório trimestral de inflação do Banco Central, a sair entre amanhã e quinta-feira, é o principal evento financeiro da semana. Ao deslocar o foco oficial para a inflação 12 meses à frente, a ata da última reunião do Copom já preparou o mercado financeiro para uma deterioração da expectativa de IPCA para este ano. O BC deve consolidar, no relatório, a projeção de uma taxa mais perto dos 5,80% esperados pelas instituições do que da meta ajustada de 5,1%. O relatório também deve sedimentar a percepção obtida a partir da leitura da ata de que o BC já desistiu de perseguir a meta de 5,1%. Todas as indicações são de que ele não está disposto a sacrificar o crescimento econômico em favor do cumprimento estrito da promessa. Para tanto, mesmo que a turbulência externa refluísse, teria de subir a Selic para algo próximo de 21%. A ata, publicada na quinta-feira, expôs claramente o que a maior parte do mercado não esperava ler: se depender somente do BC, o aperto monetário iniciado em setembro de 2004 já acabou. Após sete altas consecutivas - escada pela qual a Selic ascendeu de 16% a 19,25% -, o esforço monetário se concluiu, a despeito de a inflação de 2005 estar acima da meta. A visão que agora mais passa a interessar ao BC é a do cenário até abril de 2006. E este sinaliza IPCA dentro da meta para o período. Mas o BC reconhece que a política de juros não depende apenas de sua vontade. O juro básico voltará a subir, independentemente do que ele deseja, se o mercado internacional continuar a degradar-se. O economista-chefe do Bradesco, Octavio de Barros, acredita que a taxa básica só subirá 0,25 ponto na reunião do Copom de abril se os mercados piorarem mais ainda. Se eles se estabilizarem, mesmo que nos patamares menos positivos alcançados na semana passada, o BC sustentará o juro em 19,25%. O economista lembra que, na crise de maio de 2004, a Selic apenas parou de cair, ao invés de subir.

O diretor da Modal Asset, Alexandre Póvoa, lembra que, ao contrário de maio do ano passado, agora há muita exposição vendida em câmbio de investidores estrangeiros. Não se sabe a atitude que tomarão se os juros americanos de 10 anos persistirem em alta. Uma zeragem radical de posições, com repercussões negativas sobre a taxa de câmbio, é uma variável que foge ao controle do BC. O modelo que permite ao BC uma abordagem tranqüila e serena como a desenvolvida na última ata, supondo dólar estável a R$ 2,75, sofreria uma ruptura decorrente da decolagem do dólar. Restaria ao BC agir contra a sua vontade.

Relatório trimestral deve apontar deterioração

Após a ata, os mercados ficarão até o dia 20 de abril, data da próxima reunião do Copom, ligadíssimos nos acontecimentos externos. O juro brasileiro ficará estável ou subirá em função dos reflexos sobre a inflação brasileira e sobre a taxa de câmbio dos deslocamentos do petróleo, das commodities, das moedas, dos bônus e dos juros dos treasuries de 10 anos. Está se abrindo uma temporada de intensa volatilidade, já que a tendência é de os especuladores atuarem para magnificar temores e lucros. A reação dos mercados à ata do Copom foi de surpresa e alívio. Os tesoureiros de bancos que operam no mercado futuro de juros da BM&F trataram de derrubar as previsões sombrias traçadas para os CDIs mais longos. Afinal o Copom retirou de sua ata a afirmação de que, após concluído o aperto, o juro seria estabilizado por período "suficientemente longo". Ou seja, se a conjuntura externa permitir, o BC poderá retomar processo de queda da Selic já ao longo do terceiro trimestre do ano. Enquanto o contrato mais curto, para a virada do mês que vem, recuou pouco, de 19,29% para 19,27%, a projeção para a virada do semestre caiu de 19,59% para 19,46%. Para a passagem do ano, a queda foi acentuada, de 19,53% para 19,29%. O dólar caiu 0,36%, para R$ 2,74.