Título: Bradesco defende menor carga tributária
Autor: Maria Christina Carvalho
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Finanças, p. C8

Depois de comemorar a retomada do crescimento econômico no ano passado, o presidente do conselho de administração do Bradesco, Lázaro de Mello Brandão, voltou as baterias para a defesa da redução da carga tributária. "O governo só arrecada. É uma obsessão. Ele tem que fugir disso, reduzindo a despesa. Senão, fica muito simples: só arrecada, arrecada", afirmou. Segundo Brandão, a carga tributária está tão elevada que já desestimula os investimentos, "importantes para manter o crescimento e criar empregos", explicou. Na mesma direção, defendeu o Simples trabalhista, proposta do economista José Pastore, que simplifica e reduz os recolhimentos ligados à contratação de mão-de-obra para as empresas de pequeno porte, esvaziando a informalidade. Mas, Brandão está bastante otimista com a manutenção do crescimento neste ano, embora em um ritmo menor, e satisfeito com a ausência de "solavancos ou surpresas" na economia e com a perspectiva de manutenção da expansão do crédito. Fazia muito tempo que isso não acontecia, lembra o banqueiro que, aos 78 anos, continua trabalhando aproximadamente 12 horas por dia, chegando à Cidade de Deus, sede do Bradesco, pouco antes das 7 horas da manhã. "O Bradesco é muito centralizador. Os membros do conselho têm a mesma jornada dos executivos e são sempre chamados a dar palpites. Por isso, é preciso ficar atento", explicou. Apesar de o novo presidente da Câmara, Severino Cavalcanti (PP-PE) ter dito que Brandão é quem manda no país, a afirmação não lhe subiu à cabeça. Brandão revelou ao Valor que jamais quis entrar na política por falta de "temperamento, inclinação, jeito" e também por conveniência. Se resolvesse enveredar pela política, disse, teria que deixar o banco para não haver conflito de interesses, como fez Laudo Natel, que foi vice-governador de São Paulo em 1967 e governador de 1971 a 1975. Brandão, definitivamente, prefere a vida corporativa. Em meados desse mês, presidiu a assembléia anual ordinária e a extraordinária do Bradesco. Com a máquina perfeitamente azeitada, em apenas 50 minutos conduziu as duas reuniões, que apreciaram as contas de 2004, reconduziram os membros do conselho e da diretoria executiva do banco e ratificaram o aumento de capital. A recomendação estatutária é que, de preferência, se dê continuidade administrativa ao banco. A seguir, os principais pontos da entrevista: Valor: O que o senhor espera para a economia neste ano? Lázaro de Mello Brandão: A tônica do ano deverá ser o crescimento econômico. As condições atuais da economia brasileira e internacional apontam nessa direção. Mas, tudo indica que a economia vai crescer menos do que em 2004. Crescemos mais de 5% em 2004 e devemos registrar algo como 3,5% em 2005. Não é o ideal, mas é bem razoável. A elevação da taxa Selic, a previsão de redução do saldo comercial e o ajuste das cotações das commodities agrícolas afetaram o nível da atividade. Valor: O que indicam esses fatores negativos? Brandão: Eles podem ser um alerta para que haja medidas que estimulem o crescimento. O mercado internacional está favorável. O Brasil se ressente muito da infra-estrutura, por exemplo, e se poderia incentivar o investimento em portos e canais de escoamento da produção. Valor: O senhor está otimista? Brandão: É muito positivo o fato de estarmos vivendo em uma economia que se comporta dentro de parâmetros previsíveis, sem solavancos ou surpresas. É importante sermos percebidos como uma economia com padrão definido, caracterizada pela continuidade. Há dois anos seguidos experimentamos o crescimento do PIB. O Brasil necessita de uma seqüência ininterrupta de indicadores positivos de emprego, renda e produção. Será dessa forma que iremos formar um ambiente estimulante para o empresário investir mais e o trabalhador consumir. Além disso, é fundamental crescer porque dá mais tranqüilidade ao governo para apresentar suas propostas e responder à oposição. Se a economia não tivesse crescido, certamente o governo estaria em maus lençóis. Valor: O que pode dar errado? Brandão: O cenário não me parece preocupante principalmente se o Federal Reserve manter o estilo gradualista de ajuste da política monetária. Mas, ainda vivemos uma fase de certa cautela na administração da política econômica. Existem restrições para que a economia possa deslanchar, principalmente fiscais. Além da vigilância no cumprimento das metas de superávit primário, seria recomendável perseverar no lançamento de novas reformas para reduzir as necessidades de financiamento do setor público. É preciso fazer a economia crescer, com prudência para não ameaçar a estabilidade monetária.

O governo está tendo êxito na batalha de conter a inflação com a política de juros. Por isso ficamos inibidos de criticá-la"

Valor: Quais reformas são fundamentais? Brandão: O governo tem que acelerar o ajuste fiscal com o corte de despesas. O corte das despesas propiciaria a redução da carga fiscal, que está em níveis que desestimulam os investimentos. Se a carga tributária for aliviada, os investimentos vão aumentar, criando emprego e, portanto, estimulando o crescimento. Isso é fundamental. O governo está muito desatento. Falta um pouco de coragem no corte de gastos. Não há outra maneira. O governo só arrecada. O governo cogitou corrigir o desconto da tabela do imposto de renda, mas, simultaneamente, no mesmo documento, propõe o aumento da carga. Então é uma obsessão. Ele tem que fugir disso, reduzindo a despesa. Não há outra maneira. Se não fica muito simples: só arrecada, arrecada... Valor: O senhor vê necessidade de mais algum tipo de reforma? Brandão: O governo deveria criar o Simples trabalhista que, à semelhança do Simples criado para simplificar o pagamento dos impostos federais, facilitaria o recolhimento de impostos vinculados ao trabalho. A proposta pode até aumentar o emprego direto. Uma medida desse tipo também reduziria a pressão sobre o problema da previdência. Valor: Como o senhor avalia o governo Lula? Brandão: A maioria dos analistas internacionais avalia que o governo Lula adotou uma linha correta ao optar pelo cumprimento dos contratos e redobrar esforços para se manter líquido. O governo vem tendo um bom desempenho, pela austeridade e equilíbrio das intenções no que se refere à política econômica. Valor: O que acha do sistema de meta de inflação? Brandão: - É um sistema que merece ser preservado, principalmente no Brasil, que enfrentou por vários anos sucessivos o flagelo da inflação alta. É uma maneira de sinalizarmos ao mundo que a inflação não é bem-vinda no Brasil. Não podemos ser lenientes com a inflação. Valor: Os juros não deveriam estar mais baixos? Brandão: O governo foi muito questionado em sua política de controle da inflação porque está se apoiando nos juros para conter o aumento dos preços. Mas, está tendo um êxito inquestionável nessa batalha. Então ficamos inibidos de achar que está fazendo coisa imprópria. A administração da política monetária é assunto da mais alta responsabilidade e não cabem ingerências. Os condutores devem gozar de plena liberdade para definir qual deve ser a tendência do juro e a inclinação da curva que se deseja no longo prazo. Os juros são um sintoma da situação de uma economia. Eles serão baixos tanto e quanto melhores forem os fundamentos econômicos. No caso específico do Brasil, a situação é positiva, a economia vai indo bem do ponto de vista macroeconômico. Mas ainda faltam itens a cumprir na agenda fiscal. Não fosse isso, os juros talvez pudessem estar mais baixos. Na minha avaliação, a fase é de transição para um patamar mais baixo. Todos esperam que a Selic será menor em dezembro. Valor: Como o senhor avalia as críticas aos ganhos elevados dos bancos e à falta de concorrência? Brandão: Há uma certa dose de exagero em alguns comentários. Nas últimas décadas, o setor financeiro foi fundamental para que o Brasil superasse momentos de grandes mudanças econômicas ou de volatilidade nos mercados internacionais. Isso demonstra a importância de um setor financeiro saudável e sólido para o bom funcionamento da economia. Por essa razão, ficamos satisfeitos quando divulgamos nossos balanços. É uma demonstração de que o Brasil possui capacidade competitiva. Com nossos lucros, distribuímos riqueza na forma de dividendos aos acionistas, impostos e contribuições, além de empregarmos centenas de milhares de funcionários. Acho que não interessa a nenhum País ter um setor financeiro frágil, que enfraquece toda a economia. Vários setores econômicos têm rentabilidade superior a nossa. Valor: Mas o spread não é muito elevado?

Quando se tabulam todas as linhas, só escapam do mais aceitável o cheque especial e o crédito pessoal "

Brandão: Há linhas com juros tabelados como o crédito rural, em 8,75%, taxa muito próxima da inflação; e outras muito competitivas como o repasse do BNDES, que custa de 1% a 2% ao ano. Nenhuma firma considerada corporate paga mais que 1% a 2% ao ano acima do CDI. Na hora que se tabula isso tudo, escapam do custo mais aceitável o cheque especial ou crédito pessoal porque achamos que não impacta a política monetária. Além disso, essas linhas representam um fatia pequena do total dos empréstimos. Na economia americana é igual; o cartão de crédito tem um custo alto. Isso nem sempre é bem compreendido. Valor: O que é necessário para o crédito crescer mais? Brandão: Os empréstimos são equivalentes a 60% do PIB no Chile; e superam o PIB em países como Japão ou Estados Unidos. No Brasil, somam apenas 28% do PIB. Teria que haver condições para a expansão do crédito no Brasil. Sem perder de vista o controle monetário e da inflação, o governo teria que reduzir juros. Se a economia continuar crescendo, as pessoas tendem a ganhar confiança e, num segundo momento, buscar crédito para financiar a melhora do seu padrão de vida. Com as empresas acontece o mesmo. Elas vão procurar aumentar os negócios à medida que a economia esteja caminhando bem e recorrer a um empréstimo é um ato legítimo. Isso só não recorre quando se tem dúvida. Se a economia reduz o ritmo da atividade, a sociedade procura poupar mais. O cenário de manutenção do crescimento deverá, portanto, direcionar nossos esforços no sentido de oferecer novas oportunidades de crédito para os clientes. Valor: Quais são os desafios do setor financeiro para os próximos anos? Brandão: São dois os desafios principais. Em primeiro lugar, do lado da gestão bancária, entendo que os bancos precisam estar preparados para garantir rentabilidade pela ampliação dos volumes de negócio. Nisso se incluem crescer a base de clientes, buscar negócios pioneiros, lançar novos produtos e diversificar as formas de atendimento. Valor: Quais são esses negócios pioneiros? Brandão: Os bancos precisam encontrar novos tomadores como agora no crédito com desconto em folha, o crédito para aposentados e consórcio. Valor: Qual o futuro do sistema bancário brasileiro? Brandão: Entendo que o sistema bancário brasileiro vai continuar sendo uma referência de qualidade. No futuro, quando o índice de bancarização da população brasileira estiver no mesmo nível dos mercados de países desenvolvidos, pode ser que o caminho seja o de buscar a expansão em outros mercados. No médio prazo, a prioridade deverá ser fortalecer as posições no mercado interno, com diversificação de produtos e serviços e qualidade de atendimento. O segundo desafio se refere à nossa presença na sociedade. Entendemos que devemos trabalhar para que se criem instrumentos e ambiente propícios para que o volume de crédito da economia cresça ao nível da média internacional. Por várias razões, históricas até, a economia brasileira não se habituou a trabalhar com crédito. Esse é um trabalho que exige o esforço conjunto de todos os setores da sociedade, bancos, governo, Poderes Legislativo e Judiciário e sociedade. Somos nós um dos principais interessados nesse esforço. Valor: O que o senhor acha da investida dos bancos brasileiros em direção às classes C e D? Brandão: Trata-se de uma tendência saudável, que atinge todos os setores da economia brasileira. Nós, do Bradesco, trabalhamos nessa direção nos nossos 62 anos de vida. Ganhamos conhecimento na atuação nesse mercado. Foi, de certo modo, a fórmula que sustentou nosso crescimento. O setor de varejo comercial está fazendo o mesmo, buscando alargar a base de consumidores nas faixas de renda mais baixas, assim como as empresas de telefonia e outros serviços. Uma das razões para isso é que o Brasil voltou a crescer e a renda vem aumentando. Certamente, não há alternativa que não seja o crescimento econômico.