Título: Gestão Competitiva
Autor: Eduardo Belo
Fonte: Valor Econômico, 28/03/2005, Valor Especial, p. F1
O Brasil tem as maiores taxas de juro reais do mundo, uma economia cheia de altos e baixos, consumidores com poder de compra reduzido e elevados índices de inadimplência, que tornam o custo do dinheiro ainda mais proibitivo e o crédito, escasso. Esse conjunto de fatores explica por que empresas de pequeno e médio portes têm tanta dificuldade para obter financiamento - mas é só parte da equação. A outra parcela do problema vem dos próprios empresários. "Já é hora de as empresas menores começarem a se preocupar com governança corporativa", afirma Luiz Ricardo Grecco, analista da Unidade de Apoio a Financiamentos e Capitalização do Serviço Brasileiro de Apoio às Micro e Pequenas Empresas (Sebrae) de São Paulo. Segundo ele, linhas de crédito não faltam. Mas poucas empresas estão aptas a contrair financiamento. A maior parte não se mostra confiável ao setor financeiro. "Falta profissionalização por parte do pequeno e médio empresário", reforça. Essas dificuldades e os outros desafios dessas companhias, que cada vez mais buscam se inserir no mercado internacional, estão no centro de um debate realizado hoje em São Paulo pelo Valor, com patrocínio do BNDES e do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior. O presidente do banco, Guido Mantega, é um dos participantes do encontro. Para o técnico do Sebrae, um dos problemas é que os empresários costumam misturar a vida financeira da empresa com sua vida pessoal. Especialmente nas empresas menores. Não se sabe exatamente onde termina a pessoa física e onde começa a pessoa jurídica. A maioria das empresas também não dispõe de informações transparentes e confiáveis sobre sua própria contabilidade. Muitas vezes, balanços não confiáveis decorrem da preocupação em fugir de uma carga tributária excessiva - outra fonte de angústia para qualquer empreendedor do país. Nem tudo é declarado ou inteiramente declarado. Se isso às vezes funciona para pagar menos imposto, pode ter o efeito contrário na hora de obter crédito. E impedir um bom negócio de crescer. Sem informações precisas, os bancos têm dificuldade em realizar a análise de risco de uma operação de crédito. Desse modo, pressupõem que o risco daquele cliente é maior e cobram mais caro pelo empréstimo. Em geral, o pequeno empresário - e até o médio - se vê obrigado a colocar como garantia da operação boa parte de seus bens pessoais, reforçando a fusão da personalidade física com a jurídica. Na avaliação do analista do Sebrae-SP, quem se dispuser a preparar um balanço mais sólido pode negociar taxas e condições melhores com o banco. "Quanto mais transparência, melhor." A primeira ação do empresário para fugir dessa armadilha é separar as finanças e bens da empresa dos bens pessoais - e manter essa separação mesmo nos momentos mais difíceis -, afirma Paulo Veras, diretor do Instituto Empreender Endeavor. Para isso, é necessário buscar educação financeira a fim de conhecer melhor as técnicas de gestão e encontrar a melhor forma de tocar seu negócio. Segundo Veras, quando a empresa começa a crescer fica clara a necessidade de delimitar o que pertence à empresa e o que é do dono. Mas muitas vezes já se perderam tempo e dinheiro. Independentemente de precisar de crédito ou não, quando o empresário se capacita antes é muito mais fácil enxergar onde estão os problemas e as soluções, diz Veras. Ao se preparar, ele enxerga um leque maior de possibilidades. "Nem sempre é preciso ir ao banco para obter dinheiro", diz. "Às vezes, há outras alternativas muito mais interessantes". Por exemplo, fazer uma engenharia de fluxo de caixa, negociar adiantamento de contratos, vender pequenas participações na empresa para amigos e parentes. O diretor do Endeavor também menciona a possibilidade de usar como garantia as vendas da empresa, se ela tiver isso assegurado por um contrato de fornecimento. Em geral, uma operação desse tipo pode render taxas de juro menores e dispensar patrimônio como garantia. Além da burocracia e da falta de preparo por parte do empreendedor, o Brasil sofre ainda de uma forte componente cultural nesse campo, afirma Alfredo Teodoro Reis, professor da Brazilian Business School (BBS). Por fatores históricos e até religiosos - a formação majoritariamente católica - o brasileiro pratica aquilo que ele classifica de "capitalismo envergonhado". Para muitos, "lucro é pecado", afirma Reis. Superar essas dificuldades requer uma mudança cultural que pode levar gerações. Primeiro, é preciso que o brasileiro tenha noções de gerenciamento desde a escola. Algo que forneça um mínimo de conhecimento para saber controlar até mesmo as contas pessoais, diz o professor da BBS. É nessa deficiência em relação às próprias finanças que reside a raiz do problema, acredita ele. Na etapa seguinte, a sociedade precisaria reconhecer que as pequenas e médias empresas são as maiores geradoras de emprego do país e passar a encará-las como vitais. Isso significa que é necessário também criarem-se mecanismos de fomento para a atividade empresarial, afirma o professor da BBS. É, basicamente, o modelo que têm adotado economias emergentes, como a Coréia do Sul, apontada como exemplo de êxito na educação e na formação de profissionais e empresas. A falta de qualificação faz do Brasil um dos países de mais elevada taxa de mortalidade de empresas, afirma Luiz Ricardo Grecco. Pesquisa do Sebrae mostra que cerca de metade das empresas formalmente constituídas fecha as portas em até três anos. A média dos países mais desenvolvidos está na faixa de 30%. Ao empresário faltam também condições para avaliar o cenário econômico como um todo, opina Wilson Trevisan, diretor-geral do Clube do Empreendedor, entidade voltada ao relacionamento entre pequenos e médios empresários. Trevisan acha que os bancos poderiam ajudar nesse sentido, dando aos clientes melhores noções de como empregar bem o dinheiro do crédito. A análise de risco baseada apenas no passado na empresa, sem se preocupar com o futuro, poderia ser revista também, observa Trevisan. Ao contrário do que ocorre em outros países, no Brasil as empresas são avaliadas apenas pelo que já cumpriram. Um empresário que esteja desenvolvendo um sistema ou produto revolucionário, por exemplo, dificilmente vai conseguir pôr sua idéia em prática por meio de financiamento. A menos que sua empresa já tenha um histórico sólido e um bom relacionamento com alguma instituição financeira. Essa aversão ao risco desperdiça, em sua opinião, um dos principais talentos do empresário brasileiro: a criatividade. Reis cita o exemplo da empresa Air Safety, fabricante brasileira de máscaras respiratórias. A indústria não conseguia crédito no Brasil para ampliar suas operações. Em 2003, ao participar de feira de tecnologia nos EUA, a Air Safety chamou a atenção do governo americano. Máscaras respiratórias são consideradas estratégicas num país em que o terrorismo é uma ameaça diária. Nem foi preciso pedir. O governo dos EUA ofereceu crédito e facilidades para a instalação de uma subsidiária por lá. As máscaras agora estão sendo fabricadas em território americano. Para Paulo Veras, algumas medidas já foram tomadas para melhorar a situação. Ele menciona novas modalidades de crédito com menos burocracia e, principalmente, necessidade de garantias menores em operações da Financiadora de Estudos e Projetos (Finep), do BNDES e dos bancos oficiais (Banco do Brasil e Caixa Econômica Federal). Todos ainda são programas incipientes, mas os resultados já começam a aparecer.