Título: Choques podem provocar mais inflação
Autor: Raquel Salgado
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2005, Brasil, p. A4

A quebra da safra de grãos no Sul do país devido a forte estiagem, aliada à defasagem dos preços dos combustíveis no mercado doméstico e à recente alta das commodities no cenário internacional, vai causar impacto nos índices de inflação nos próximos meses, especialmente os do atacado. Mas se o impacto destes choques é consenso entre analistas, sua magnitude sobre os preços provoca divergências. Só em São Paulo, segundo o Instituto de Economia Agrícola (IEA-SP), na terceira quadrissemana de março, os preços agrícolas subiram 5,1%, resultado do aumento de 34,8% da soja e de 22% no milho. Por isso, a projeção da Rosenberg & Associados para o IGP-M em março saltou de 0,55% para 0,72%. A revisão foi impulsionada pelos preços agrícolas, que devem ficar 2,66% mais caros no atacado. A expectativa para o índice no fim do ano foi de 5,85% para 6,03%. Na opinião de Fernando Fenolio, economista da Rosenberg, no cenário atual só há pressões altistas para os preços. O câmbio, que funcionava como uma âncora e puxava preços para baixo, "já está tendo seu efeito diminuído". Outro fator que deve ser monitorado é a defasagem de preços da gasolina e do diesel no Brasil. De acordo com uma média móvel calculada por Fenolio, nos últimos 30 dias, a defasagem dos preços dos combustíveis está em 7%. Fábio Silveira, diretor da MS Consult, acredita que o impacto da quebra de safra será muito mais violento nos preços do milho do que nos da soja. Para o milho, ele calcula que os preços devem subir na média do ano, entre 12% e 15%. Na ponta, ou seja, no fechamento de dezembro deste ano comparado com o mesmo mês de 2004, a alta deve ficar entre 30% e 40%. Mas os efeitos ao longo da cadeia produtiva devem ser minimizados. Silveira lembra que o preço do frango no mercado internacional já está em nível elevado, devido à demanda aquecida. Como a margem de rentabilidade é boa, é provável que os produtores não repassem com força a alta de custos da ração fabricada com milho. No caso da soja, ele acha que a reação do mercado está sendo exagerada. O que afeta os preços é a redução nas projeções de safra e não a falta de produtos. Segundo o sócio da MS Consult, no fim de 2004, esperava-se uma safra em 2005 na casa de 9 milhões de toneladas no Rio Grande do Sul, ante uma produção de 5,5 milhões em 2004. Ou seja, a perspectiva de uma safra de 3 bilhões de toneladas para este ano será um enorme tombo. "Acredito que os preços desse grão devem ficar pressionados até abril ou maio", afirma Silveira. Com a aproximação da colheita da safra americana, que deve ser boa se houver condições climáticas favoráveis, espera-se uma suavização do movimento de alta. Por isso, o economista ainda não mudou suas projeções de inflação para o ano. Apenas elevou a expectativa para os IGPs de março de 0,6% para "algo entre 0,7% 5 0,8%". No Bradesco, nenhuma revisão foi feita, mas a hipótese não é descartada. Seus economistas lembram que a maioria dos agentes do mercado contava que os preços de alimentação ajudariam a inflação a cair neste ano. O professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Carlos Thadeu Gomes Filho, revisou a projeção do IPCA de 6,1% para 6,5%. Ele conta com 1,1% do que chama de "inflação de choque", que engloba os efeitos da quebra de safra. Ele espera para o segundo semestre o reflexo da alta dos grãos para o consumidor. No atacado, porém, a pressão já chega em março e faz com que a expectativa do IGP-DI para o fechamento do ano pule de 6,1% para 7,2%. Com isso, a projeção para os preços administrados cresceu de 7% para 7,5%.