Título: À procura do juro de equilíbrio
Autor: Maria Clara R. M. do Prado
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2005, Opinião, p. A11

Ao determinar na terça-feira que a taxa básica de juros deveria ser ampliada para 2,75% ao ano, o comitê de mercado aberto (FOMC) do Federal Reserve, o Banco Central dos Estados Unidos, indicou que considerava a decisão apropriada para manter em equilíbrio os riscos, para mais ou para menos, envolvidos no duplo objetivo do crescimento sustentável e da estabilidade de preços. No Brasil, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC fixou em 19,25% ao ano, na sua reunião de março, a taxa básica de juros das operações de mercado aberto. Fica claro que o BC continua perseguindo o objetivo de manter a inflação dentro da meta de 5,1% traçada para este ano, pela variação do IPCA. Os objetivos perseguidos lá e aqui não são comparáveis e isso é fartamente conhecido, mas a diferença de patamares dos juros básicos não deixa de ser gritante quando colocados assim, frente a frente. Isso nos remete a especular se aquelas são taxas de juros corretas, ou seja, se efetivamente expressam o nível em que deveriam estar mesmo considerando as características que separam a economia norte-americana da economia brasileira. Será que poderíamos considerar o patamar de 2,75% como a taxa nominal que leva à taxa real de equilíbrio da economia dos EUA hoje? Não é fácil responder, mas tudo indica que sim quando se leva em conta a avaliação feita pelo próprio FOMC na curta mensagem divulgada na terça-feira. Com certeza o FOMC tinha em mente não apenas a taxa nominal de juros - que é a taxa do "overnight" no mercado interbancário de reservas - mas também a taxa real de juros no longo prazo tendo em vista as expectativas inflacionárias. Mas essa não é uma tarefa fácil. Tanto pode haver erros para mais como para menos na taxa real de juros, no médio e no longo prazos, impondo sacrifícios desnecessários à sociedade em termos de queda do produto ou de desajustes nos preços. A busca do equilíbrio implica no ajuste constante da taxa nominal de juros com vistas a fazer com que a taxa real se aproxime do ponto neutro. O conceito não tem nada de novo. Na verdade, existe há 107 anos, desde que o economista sueco Knut Wicksell, em 1898, defendeu a importância da taxa de juros como instrumento de controle da política monetária. Ajudou a introduzir uma visão diferente do sistema até então vigente de busca da estabilidade e que se centrava na "amarração" entre as várias moedas dentro dos parâmetros do famoso padrão-ouro. Havia, para Wicksell, um estreito vínculo entre expansão da moeda e inflação. Na busca dos fundamentos para aquela relação, percebeu não só o papel desempenhado pelos juros na tarefa de manter as economias estabilizadas como a existência de um ponto neutro ou de equilíbrio dos juros consoante com o estado estacionário da economia. Ou seja, o momento em que determinada taxa de juros permite que o PIB se iguale ao PIB potencial, aquele em que todos os fatores estão plenamente empregados, em equilíbrio, e onde, supostamente, não há pressão sobre a formação de preços.

A diferença dos juros básicos dos EUA e do Brasil são tão gritantes que nos remete a especular se aquelas são taxas corretas

A taxa de juros real neutra é um conceito de difícil mensuração. O economista Alan Blinder, ex-vice-presidente do Fed dos EUA, avalia em torno de 1,75% a 2,25% o nível da taxa neutra real de juros dos fundos federais nos EUA, em largos prazos, de 30 a 50 anos, dependendo do período escolhido e do conceito de inflação usado para "corrigir" a taxa nominal de juros. Blinder tem um ótimo texto a respeito de taxa real neutra publicado no pequeno, mas substancioso, livro "Bancos Centrais: Teoria e Prática", em 1999 pela editora 34. A verdade é que Wicksell tem sido constantemente revisitado pelos economistas da academia internacional a partir de meados da última década. Nessa linha, um interessante texto sobre o tema foi publicado este mês pelo BIS - Banco Internacional de Compensações, o banco central dos bancos centrais - de autoria do economista Jeffery D´Amato: "The Role of the Natural Rate of Interest in Monetary Policy" ("O Papel da Taxa de Juros Natural na Política Monetária"). Pode ser encontrado no site www.bis.org. O termo "taxa de juro natural" em Amato equivale ao termo "taxa de juro real neutra" e também à "taxa de equilíbrio". Na primeira parte do trabalho, Amato dá ênfase aos modelos do novo keynesianismo (ou moldura wickselliana) que têm como elemento comum a diferença entre a atual taxa de juros real ex-ante (medida com base nas expectativas inflacionárias) de curto prazo e a taxa natural (ou, como quer Blinder, a taxa real neutra) é a principal causa para os desequilíbrios provocados pela demanda agregada. A diferença entre aquelas duas taxas é chamada de "real rate gap" ou "defasagem da taxa real" e funcionaria como indicador de inflação. Todo o BC deveria conhecer sua taxa real neutra ou natural e tê-la sempre em mente quando fixa a taxa nominal de juros de curto prazo. Blinder, por exemplo, sugere que seja usada como estimativa do "ponto zero" pelos bancos centrais em suas escalas de política monetária. Assim, qualquer taxa de juros mais alta (além da taxa neutra ou "ponto zero") resulta em contração monetária e taxas mais baixas, em expansão monetária. Para ele, "a neutralidade é o único cenário de políticas viável a longo prazo". Todos esses exercícios deve ser factíveis com a definição do nível do produto potencial específico para cada país e que deve considerar os vários fatores a influenciar a demanda como a política fiscal, a própria taxa de juros e as propensões ao consumo e ao investimento. Segundo Amato, uma das contribuições do paradigma do novo keynesianismo é a possibilidade de se obter expressões explícitas para a taxa natural de juros como função dos fatores primitivos subjacentes à economia. Essas observações atiçam a curiosidade em torno da taxa real de juros neutra no Brasil. Que parte da taxa nominal de 19,25% poderia ser considerada taxa real de equilíbrio? Até 1994, com a inflação em disparada, o processo de realimentação inflacionária e uma política monetária absolutamente passiva, não fazia sentido gastar tempo em busca da taxa de juros de equilíbrio. Mas já há agora prazo suficiente para o BC e outros fóruns conceituados atenderem a essa instigante questão.