Título: EUA e Brasil divergem sobre Venezuela
Autor: Daniel Rittner
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2005, Especial, p. A12

O secretário de Defesa dos Estados Unidos, Donald Rumsfeld, assumiu publicamente ontem a crescente preocupação do governo americano com a compra de armamentos pela Venezuela. Levantando suspeitas, ele disse que "não imagina" quais são os reais motivos da aquisição de 100 mil fuzis russos AK-47 e manifestou desconfiança com o negócio. Foi a primeira vez que um integrante do gabinete do presidente George W. Bush admitiu que a estratégia armamentista de Hugo Chávez está sendo observada com atenção pela Casa Branca. "Certamente estou preocupado", afirmou Rumsfeld em entrevista, após um encontro com a cúpula das Forças Armadas brasileiras e com o vice-presidente José Alencar, também ministro da Defesa. "Não posso imaginar o que vai acontecer com 100 mil fuzis AK-47; não posso imaginar por que a Venezuela precisa de 100 mil fuzis", declarou o secretário, dizendo esperar ainda que a compra não se concretize. "Se isso acontecer, não sei se será positivo para o hemisfério", acrescentou. Rumsfeld afirmou que, além de ter lido na imprensa a respeito dos contratos, recebeu informações sobre a aquisição venezuelana por meio de contatos bilaterais. Ele não falou sobre a compra de outros equipamentos militares pela Venezuela, como os caças MiG-29 , também russos. O aparelhamento das forças venezuelas foi o assunto predominante no encontro entre Rumsfeld e Alencar. Instado pela imprensa estrangeira a posicionar-se sobre o assunto, o vice-presidente brasileiro adotou um discurso mais amigável em relação à Venezuela e disse apostar no "estreitamento cada vez maior dos relacionamentos diplomáticos e comerciais, visando o bem comum". "O Brasil sempre defendeu e continua defendendo a autodeterminação dos povos e [o princípio da] não-intervenção", respondeu Alencar. O subsecretário-geral para a América do Sul, do Ministério das Relações Exteriores, Luis Filipe Macedo Soares, que acompanhou o encontro foi mais explícito, ao relatar a resposta do governo às preocupações manifestadas por Rumsfeld. "O Brasil não compartilha da interpretação de que o governo Hugo Chávez seja fator de desestabilização no continente." O governo americano já havia demonstrado preocupação porque julga a compra de 100 mil rifles exagerada para um contingente de 30 mil homens, número de soldados e oficiais que os Estados Unidos estimam ter o Exército venezuelano. Também preocupa à Casa Branca a possibilidade de construção de uma fábrica de munição na Venezuela. Na visão de Washington, essa fábrica poderia facilitar a venda clandestina de munição às Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc). Rumsfeld elogiou a atuação brasileira no Haiti e afirmou que o país tem fornecido uma "contribuição bem-vinda à estabilidade no nosso hemisfério", exercendo um papel de liderança "muito importante". O secretário evitou, no entanto, manifestar apoio à reivindicação do Brasil de conquistar um assento permanente no Conselho de Segurança da ONU. Segundo ele, a posição do governo americano sobre a questão só pode ser dada pelo Departamento de Estado ou pelo próprio presidente Bush. Questionado sobre as declarações de integrantes de alto escalão do governo, segundo as quais terroristas estariam passando pelo território brasileiro para falsificar passaportes e entrar com mais facilidade nos Estados Unidos, o secretário desconversou. Disse desconhecer esses comentários e afirmou que o tema da tríplice fronteira entre Brasil, Argentina e Paraguai não foi comentado nos encontros. Ressaltou, no entanto, que se houve falsificação de passaportes, "isso é preocupante". Além da reunião com Alencar e com os comandantes das Forças Armadas, teve encontro de trabalho com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Rumsfeld enfatizou a necessidade de intensificar a cooperação bilateral para "enfrentar as ameaças impostas pelo crime organizado, narcotraficantes e guerrilheiros". À tarde, viajou para a Amazônia, onde pretendia conhecer o projeto de monitoramento do espaço aéreo da região, o Sivam. (colaborou Sergio Leo).