Título: Nestlé admite vender US$ 70 mi em ativos para assumir Garoto
Autor: Juliano Basile
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2005, Empresas &, p. B1

A Nestlé quer evitar o Judiciário e aposta suas fichas num último julgamento do Cade para ficar com a Garoto. A companhia está disposta a aceitar a imposição de condições maiores do que as oferecidas pelo órgão antitruste em troca de uma decisão que lhe seja favorável e evitar o desgaste judicial. A multinacional propôs ao Cade, em abril de 2004, a venda de nove marcas, entre as quais uma com 3% das vendas do Brasil. As marcas dariam 10% de participação no mercado de chocolates para uma concorrente da Nestlé. Especula-se no mercado que a Talento, da Garoto, estaria neste pacote.

A proposta foi recusada pelo Cade por três votos a dois em 5 de outubro passado. Mas, um dos votos chamou a atenção da companhia e está sendo considerado como a última chance junto ao Cade. É o voto do conselheiro Luiz Carlos Delorme Prado. Ele foi além da proposta da Nestlé e disse que a companhia teria de ofertar mais marcas e ativos para que um concorrente tivesse condições reais de competir. Os advogados da Nestlé estudaram o voto de Prado e concluíram que ele significa a venda de um negócio de US$ 70 milhões para um concorrente. É o equivalente a um terço do que a Nestlé pagou pela Garoto em fevereiro de 2002. Com a conta em mãos, os advogados da empresa no Brasil consultaram a direção da multinacional em Vevey, na Suíça. Ouviram a seguinte resposta: "Ok, mas isso é o máximo que podemos oferecer". Existem pelo menos quatro companhias estrangeiras de olho no caso: Kraft (dona da Lacta), Cadbury, Mars e Hershey's. Das quatro, apenas a Kraft não tem a intenção de adquirir a Garoto. A empresa disputa a liderança do mercado com a Nestlé e fez dura oposição à fusão. As demais aguardam a conclusão no Cade para fazer uma proposta. O ideal para elas seria o Cade manter o veto. Com isso, elas teriam a garantia de poder disputar a totalidade da Garoto em fábrica e marcas. Mas, se o veto cair, permanece outra opção de compra de ativos e marcas que elas teriam de analisar no futuro. "Queremos evitar o Judiciário", afirmou o advogado da Nestlé junto ao Cade, Carlos Francisco de Magalhães. "Achamos que o acordo é honesto. Será o maior desinvestimento da história do Cade", completou ele, que atuou na aprovação da AmBev - até hoje, a imposição de condições mais fortes a uma empresa na história do Cade. Para que a Nestlé vença, algumas contas estão sendo feitas. Dos cinco conselheiros que votaram, quatro deverão manter os votos. Roberto Pfeiffer e Luiz Rigato foram pela manutenção do veto. É provável que continuem nessa linha no julgamento do recurso da Nestlé. Isso indica dois votos contrários às pretensões da empresa. Luiz Scaloppe e Luiz Carlos Prado foram pela aprovação da fusão com condições. A diferença entre os votos é que o primeiro aceitou a proposta de desinvestimento da Nestlé acrescendo a ela cláusulas sociais para a manutenção do nível de emprego na fábrica da Garoto. Já Prado pediu para a Nestlé fazer um desinvestimento maior do que o proposto, calculado em US$ 70 milhões pela companhia. Esses são os dois votos favoráveis à multi. O quinto voto é o que gera a polêmica. Ele foi proferido em 14 de julho do ano passado pelo relator do caso, Thompson Andrade. O problema é que Thompson não está mais no Cade. Ele deixou o órgão dois dias após votar contra a proposta da Nestlé. O voto dele é chamado de "voto-fantasma" pelos defensores da aprovação. Frente a essa situação, o Cade tem duas opções: manter o voto de Thompson e, aí, o recurso da Nestlé deverá ser negado; ou anular o voto de Thompson e permitir que o seu substituto no Cade - Ricardo Cueva - vote. Nomeado junto com Prado para o Cade, Cueva tem seguido o colega em algumas votações importantes. Sem o voto de Thompson e com Cueva seguindo Prado, a Nestlé resolveria o problema sem passar pela Justiça. No entanto, existem algumas resistências a este cenário. Primeiro, há uma discussão técnica sobre o voto de Thompson. De um lado, há os defensores da manutenção do voto pois foi proferido de acordo com as normas do conselho. De outro, há a tese de que houve modificações no processo desde a saída de Thompson e, portanto, outro conselheiro deveria votar. Em segundo lugar, há problemas "de ordem emotiva" em torno do caso. "Este caso ganha de todos em termos de desgaste", diz Magalhães. Após o primeiro veto do Cade à fusão, em fevereiro do ano passado, os senadores do Espírito Santo, onde está a fábrica da Garoto, usaram todo tipo de pressão contra o Cade. Eles recolheram assinaturas para instaurar uma CPI contra o órgão e convocaram conselheiros para explicar o veto. O "fogo amigo" da bancada capixaba teve resultado inverso. A maioria do conselho passou a defender o veto tecnicamente. Criou-se, com isso, um clima desfavorável à Nestlé. É neste cenário que a empresa tentará reverter o veto. O julgamento não tem data marcada, mas deve ocorrer em abril.