Título: Expansão do crédito ignora juro
Autor: Alex Ribeiro
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2005, Finanças, p. C1

O crédito no sistema financeiro seguiu trajetória de forte expansão em fevereiro, de 1,4%, a despeito do atual ciclo de aperto na política monetária, iniciado em setembro. Em apenas cinco meses, o volume de empréstimos aumentou um ponto percentual do Produto Interno Bruto (PIB). No mês passado, o crédito cresceu em um ritmo duas vezes mais rápido do que o de expansão do PIB nominal, que foi de 0,6%. Não há sinais de arrefecimento dessa tendência. Em janeiro, os números foram exatamente os mesmos: o crédito cresceu 1,4%, e o PIB, 0,6%. Em março, até o dia 11, foi registrado um incremento também de 1,4%. Esse movimento fez com que, de setembro a fevereiro, os empréstimos aumentassem sua participação no PIB de 25,7% para 26,7%. Em reais, o volume chegou a R$ 498,305 bilhões em fevereiro.

Os dados divulgados ontem pelo BC fornecem mais combustível no debate sobre uma possível perda de eficiência da política monetária. Em tese, uma alta do juro básico atinge a atividade econômica num período de três a seis meses - portanto, já deveria estar sendo sentida. Entre setembro e fevereiro, a taxa Selic subiu de 16% para 18,75% ao ano; em março, aumentou para 19,25% ao ano. O chefe do Departamento Econômico do BC, Altamir Lopes, avalia que a política monetária não está deixando de ter efeitos sobre o crédito. "Se não fosse a política monetária mais restritiva, o crédito estaria crescendo ainda mais", afirmou. Ele atribuiu parte da vigorosa expansão do crédito a fatores sazonais: em fevereiro, as famílias recorrem mais a financiamentos (o crédito a pessoas físicas cresceu 3,2% no mês, atingindo R$ 120,753 bilhões) para fazer frente a uma concentração sazonal de pagamentos, como impostos e compra de materiais escolares. Essas despesas foram bancadas por linhas que, nos meses anteriores, vinham perdendo a importância, como o cheque especial (que cresceu 4,8% em fevereiro) e o cartão de crédito (6,4%). Mas, ressalta Lopes, ao lado do movimento sazonal prossegue uma tendência mais estrutural. Isso fica claro no aumento no crédito pessoal (4,1%), puxado pela maior difusão dos empréstimos consignados em folha de pagamento (alta de 6,1%). A demanda por essas linhas segue firme - independentemente da política monetária mais restritiva - porque as instituições financeiras correm menos risco de inadimplência e transferem parte dos ganhos para os seus clientes, com taxas de juros menores. Os empréstimos a pessoas jurídicas também registraram expansão relativamente forte, tanto nas linhas vinculadas à moeda nacional (1,9%) quanto nos empréstimos atrelados ao dólar, como ACCs (2,3%). O destaque foram o capital de giro (2,6%) e a conta garantida (2,5%). No total, as linhas com recursos livres para pessoas jurídicas somaram R$ 163,742 bilhões em fevereiro. O ciclo atual de expansão do crédito está fundamentalmente ligado ao crédito livre, com taxas pactuadas pelo mercado, que passou de 14,4% para 15,2% do PIB entre setembro e fevereiro. Em termos nominais, o volume chegou a R$ 284,495 bilhões. O crédito direcionado (empréstimos rurais, habitacionais e do BNDES, que tem juros tabelados como característica comum) subiu pouco: passou de 9,3% para 9,6% do PIB no período (R$ 179 bilhões). Ainda assim, a maior parte desse avanço se deve a empréstimos sazonais para o setor agrícola, que ocorrem regularmente no segundo semestre. Entre janeiro e fevereiro, o crédito direcionado encolheu em 0,1 ponto percentual do PIB. Na sua ata de fevereiro, o Comitê de Política Monetária (Copom) do BC sustenta que a alta do crédito não tira a eficácia da política de juros - isto é, quando bem dosado, os juros conseguem reduzir o ritmo de expansão da demanda. "A expansão do crédito é saudável", diz o chefe diz Lopes, acrescentando que, no médio e longo prazos, um maior volume de empréstimo em relação ao PIB eleva a eficiência da política monetária, exigindo movimentos menores na taxa para atingir os mesmos efeitos. O BC disse ainda, na ata, que a política monetária tem levado em conta as mudanças estruturais ocorridas no mercado de crédito.