Título: Reduzir a distância entre teoria e prática
Autor: Maria Cecília Prates Rodrigues
Fonte: Valor Econômico, 24/03/2005, Valor Especial, p. F2

Coincidindo com a realização do último Fórum Econômico Mundial realizado em Davos (janeiro de 2005), a influente revista The Economist voltou a criticar a expansão do movimento da responsabilidade social corporativa (RSC). Lamentavelmente, só vê riscos nessa expansão: se, por um lado, vê como ameaça à lucratividade do setor privado, por outro lado, acredita que pode haver risco ao bem-estar público, razão de ser da própria existência do movimento. Resumindo, o influente semanário fez um ataque incisivo aos pilares básicos de sustentação da RSC: é uma estratégia de gestão que já nasceu supérflua; não teve efetividade até o presente momento; tem um potencial perigoso de efeitos negativos tanto para os lucros quanto para o bem-estar social; e, o que é ainda pior, não há como prestar contas (accountability) dos seus resultados. Não entrando aqui no mérito da discussão levantada pela revista quanto ao significado de RSC - sobre se tem ou não o mesmo sentido da tradicional empresa "bem administrada" -, o relevante é identificar que o movimento da RSC tem sofrido críticas importantes e, portanto, é preciso passar a prestar contas dos seus resultados. Até que ponto as iniciativas de RSC vêm contribuindo para os negócios da empresa e para o bem-estar dos seus stakeholders? Ou seja, até que ponto essas iniciativas podem ser consideradas bem sucedidas do tipo ganha-ganha? A este respeito, faço algumas considerações. Primeiro, com base na matriz de iniciativas de RSC 2X2 apresentada na Economist, certamente é preciso afastar a possibilidade de ocorrência dos dois tipos que implicam em redução dos lucros privados. Iniciativas assim podem ocorrer por diversas razões - os acionistas não têm conhecimento delas; os dirigentes desconhecem este efeito adverso para os negócios ou, mesmo conhecendo, são levados a adotá-las guiados por boas intenções ou motivos de auto-promoção. Evidentemente, elas devem ser abortadas o quanto antes, sob pena de por em risco a estabilidade das próprias empresas que as financiam. Desse modo, a avaliação dos resultados dessas iniciativas mostra-se fundamental para orientar essa tomada de decisão em âmbito corporativo - identificar de que modo elas estão beneficiando os negócios da empresa. Segundo, também não há dúvidas de que as iniciativas do terceiro tipo, identificadas na revista por "RSC perniciosa", devem ser evitadas. Pois, dito de modo figurado, elas representam propaganda enganosa por parte das empresas: não cumprem os benefícios que anunciam para os stakeholders-alvo, porém usufruem das vantagens para os negócios advindas de sua adoção. É nesse sentido que, visando o fortalecimento da RSC, Peter Utting, das Nações Unidas, enfatiza a importância de se passar a mensurar resultados. Segundo ele, há que se reduzir a distância entre a retórica e a prática das empresas, isto é, entre o que elas dizem que fazem e o que realmente estão fazendo em prol dos seus stakeholders. Na linha do que diz Utting, fica claro que, para coibir iniciativas de RSC desse tipo, o foco da avaliação de resultados deve estar também na mensuração dos benefícios diretos gerados para os grupos de stakeholders da empresa. Para Utting, até agora as empresas têm se mostrado "fortes" na avaliação de processos, com a elaboração de princípios, normas e códigos de conduta, porém "fracas" na avaliação de resultados. Ele cita que no caso das certificações ambientais, o que vem sendo avaliado até o momento é o processo de gestão da empresa em meio ambiente, e não os seus impactos ambientais - ou seja, se a empresa tem uma política ambiental, e não em que medida ela conseguiu reduzir as suas emissões e o uso de energia. Da mesma forma, é preciso passar a avaliar como as práticas sociais adotadas pela empresa estão beneficiando as condições de vida dos seus trabalhadores e da comunidade, ou mesmo contribuindo para o desenvolvimento / bem-estar dos seus fornecedores e clientes. Terceiro, não é porque seja difícil mensurar os impactos sociais e ambientais das iniciativas de RSC que se vai abrir mão do desempenho das empresas comprometido com o "triple bottom line". Muito ao contrário, há que se envidar esforços nesse sentido. Há, sim, muitos desafios metodológicos pela frente, mas isto não pode ser motivo para desânimo. Nunca é demais lembrar que, apesar da contabilidade financeira já ser objeto de estudo há mais de um século, a apuração dos lucros ainda convive com problemas sérios como demonstraram os recentes escândalos de grandes multinacionais. De modo a contribuir para a mensuração dos resultados das iniciativas de RSC, introduzi recentemente o método que tem por base os critérios da eficácia privada e da eficácia pública dessas ações. Parto da premissa de que as iniciativas de RSC devem fazer parte do planejamento estratégico da empresa e, portanto, devem ter os seus objetivos previamente estabelecidos. Daí o compromisso primeiro da empresa deve ser com o alcance desses objetivos (critério de eficácia) e, posteriormente com o custo (critério da eficiência) e a sustentabilidade dessas iniciativas. Sob a ótica privada, a iniciativa de RSC é considerada eficaz se ela consegue atingir os objetivos esperados para os negócios da empresa. E sob a ótica pública, ela é considerada eficaz se consegue alcançar os objetivos anunciados pela empresa para o desenvolvimento e/ou bem-estar dos stakeholders-alvo dessa ação. Torna-se aqui fundamental ouvir os stakeholders da empresa envolvidos com as iniciativas (direta ou indiretamente), procedimento este relegado a plano secundário até o momento. Ao aplicar estes critérios, as iniciativas de RSC do tipo "ganha-ganha", consideradas como desejáveis, serão identificadas e estimuladas; as demais, ao serem identificadas, deverão ser corrigidas ou abortadas. Enfim, procurei mostrar que, agora, mais do que nunca é preciso evoluir para a avaliação dos resultados das iniciativas de RSC. Não dá mais para ficar restrito à avaliação dos processos de gestão. Só o conhecimento desses resultados é que pode vir a dar credibilidade ao movimento da RSC, fazendo calar os seus mais ferrenhos críticos. Maria Cecília Prates Rodrigues é consultora e doutora pela FGV/Ebape.