Título: Fim de acordo têxtil já afeta o Brasil
Autor: Raquel Landim
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2005, Brasil, p. A3

O terremoto econômico que abala o setor têxtil está atingindo o Brasil. Apesar de representar menos de 1% do comércio mundial, o país sente nas duas mãos os efeitos do fim do Acordo de Têxteis e Vestuário (ATV), que acabou com as cotas de importação das nações ricas na virada do ano. As exportações brasileiras de produtos têxteis cresceram apenas 11,4% no primeiro bimestre do ano. Para os Estados Unidos, o aumento das vendas foi de 6%. Já as importações brasileiras de tecidos e confecções chinesas aumentaram 69,4% no período. A competição com o dragão chinês faz estragos no mercado interno e reduz o fôlego das exportações. Fabricante de fios sintéticos, o segmento mais sensível do setor, a Polyenka reduziu em 30% a produção neste início de ano. A catarinense Marisol relata que perdeu exportações, porque os clientes pediram descontos de 10% a 12% nesse início de ano. Os empresários ressaltam que não é apenas o fim do ATV e a liberalização do mercado que está prejudicando o setor no Brasil. Eles também atribuem os problemas ao real valorizado, a alta carga tributária e ao contrabando. Para Josué Gomes da Silva, presidente da Coteminas, "o efeito do câmbio influencia até mais que o fim do ATV". Em meio a esse cenário negativo, os produtores de têxteis devem pedir ao governo a adoção de salvaguardas contra a China. Outros setores podem seguir o mesmo caminho. No primeiro bimestre do ano, as exportações brasileiras de produtos têxteis atingiram US$ 302,8 milhões, alta de apenas 11,4% em relação ao primeiro bimestre de 2004, segundo dados da Secretaria de Comércio Exterior (Secex) compilados pela Associação Brasileira da Indústria Têxtil (Abit). O ritmo é bastante inferior ao crescimento de 45,5% registrados pelo total de produtos manufaturados brasileiros na mesma comparação. E também decepciona resultados já obtidos pelo próprio setor, cujas exportações aumentaram 26% em 2004 e uma média de 15,5% nos últimos cinco anos. "É um indício de que a velocidade das vendas externas pode estar sendo afetada", afirma Fernando Pimentel, diretor-superintendente da Abit. Cláudio Imianowsky, gerente de exportação da Marisol, relata que, a partir do início do ano, os clientes pediram descontos de até 12%. "Temos recebido cotações absurdas", diz. Ele acredita que o ATV acirrou mais a competição no segmento de roupas feitas para a comercialização com marcas de terceiros. Segundo Imianowsky, a Marisol atingiu as metas de exportação, porque está priorizando os produtos de maior valor agregado. A empresa inaugura em maio um escritório em Milão, na Itália, e tem planos de abrir seis lojas na Europa. Segundo Ulrich Kuhn, diretor-superintendente da Hering, a companhia está deixando de conquistar novos clientes, porque enfrenta dificuldades para entrar nos mercados. Ele explica que o fim do ATV reduziu os preços globais, principalmente do setor vestuário. No primeiro bimestre do ano, os preços internacionais de alguns itens caíram 5% e a expectativa de analistas internacionais, segundo Kuhn, é que a desvalorização chegue a 15% até o final do ano. "Cada vez é preciso se especializar mais no seu subnicho de mercado", diz o executivo. "O maior efeito é no mercado americano, que é o maior comprador mundial". O ritmo das exportações brasileiras de produtos têxteis para os Estados Unidos é mais fraco que a média. Os embarques para os EUA cresceram 6,14% no primeiro bimestre, para US$ 81,4 milhões. Houve queda de 18,5% em janeiro e alta 33% em fevereiro. Enquanto isso, os chineses aumentaram suas exportação de têxteis para os EUA em 147% em fevereiro, para US$ 650 milhões. Estados Unidos e União Européia estão no epicentro do terremoto provocado pelo fim do ATV. As importações de têxteis provenientes da China para a UE saltaram 188% em fevereiro, para US$ 783 milhões. Com a desregulamentação de um setor que foi protegido durante 40 anos, a China está mostrando a força de um país que possui o menor custo de mão-de-obra do mundo e a maior capacidade instalada. Os empresários do setor têxtil estimam que a China adquiriu mais de 60% das máquinas para a produção de têxteis fabricadas nos últimos anos. Os chineses argumentam que a forte expansão de suas exportações nesses primeiros meses de livre mercado é resultado de um represamento das vendas no final do ano e que em breve a situação deve se normalizar. Eles tentam assim evitar que os países imponham barreiras contra seus produtos. Estados Unidos e Argentina já instituíram salvaguardas contra alguns itens. No mercado interno, o impacto do fim do ATV deveria ser marginal, já que o país não limitava as importações de produtos têxteis com cotas. Só que outros fatores conjunturais como o câmbio e o crescimento da economia também estão ajudando a impulsionar as importações brasileiras de têxteis chineses. No primeiro bimestre do ano, as importações brasileiras totais de produtos têxteis aumentaram 15,54%, para US$ 232,9 milhões. Em toneladas, houve até queda de 2,45%. Já as importações de produtos têxteis chineses saltaram impressionantes 69,4% em valores (US$ 50,4 milhões) e 99,4% em tonelagem. Joerg Albrecht, presidente da Polyenka, tinha a expectativa que o fim das cotas poderia reduzir a pressão de tecidos sintéticos chineses no Brasil, porque essa produção seria deslocada para os mercados americano ou europeu. "Mas não é isso que está acontecendo. Novas fábricas estão entrando em produção na Ásia", diz. O executivo relata que, no início de ano, reduziu a produção em 30%, por conta da concorrência do produto importado. "O maior problema é o contrabando", reclama.