Título: Mina de ouro em forma de férias
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 14/03/2010, Política, p. 2

Ministrosdo Tribunal de Contas da União buscam o direito de receber pelo períodode recesso que não usufruíram em anos anteriores. Alguns podem embolsarcerca de R$ 1 milhão

Processo que tramita em sigilo no Tribunal deContas da União (TCU) analisa o pedido de pagamento de férias nãogozadas feito por ministros da Casa, sem qualquer prescrição de prazo.Segundo cálculos da equipe técnica, pelo menos três ministrosaposentados teriam direito a receber um total de cerca de R$ 1 milhão.O valor é alto porque esses ministros passaram vários anos sem tirarférias. Os ministros do TCU têm direito a um período de férias de 60dias anuais, sem contar o recesso de um mês no fim do ano. Sobre operíodo não gozado há ainda o acréscimo equivalente a um terço do valordo benefício.

A Lei nº 8.112/90 estabelece que o servidor público tem direito atrinta dias de férias, que podem ser acumuladas até o máximo de doisperíodos, no caso de necessidade do serviço. Assim, o prazo deprescrição do benefício seria de dois anos. Mas ficam ressalvadas ashipóteses em que haja legislação específica. O processo apresentadopelo ex-ministro e ex-presidente Adylson Motta tenta estabelecer umajurisprudência no tribunal, o que deverá gerar benefício inclusive paraos futuros aposentados.

Motta argumenta que há precedentes no Superior Tribunal de Justiça(STJ) e deliberações semelhantes no Conselho Nacional de Justiça (CNJ),no Conselho Nacional do Ministério Público (CNMP) e no TribunalSuperior do Trabalho. Ele também pede o cumprimento da ConstituiçãoFederal, que garante aos ministros do TCU, em seu artigo nº 73, asmesmas garantias, vencimentos e vantagens dos ministros do STJ. Oex-ministro argumenta ainda que o não pagamento das férias resultariano enriquecimento sem causa por parte do Estado. O ex-ministroHumberto Souto também solicitou o pagamento de férias não gozadas.Outro ex-ministro que poderá ser beneficiado é Lincoln Magalhães.

Sem privilégio

O ex-ministro Motta defendeu a quebra do sigilo sobre o seuprocesso e debateu abertamente o assunto: Não há e não pode haversigilo. Tudo tem que ser divulgado. Eu não estou abrindo uma exceção,não estou pedindo privilégio algum. Isso aí é rotina nos tribunaissuperiores. Mas só pode requerer quando se aposentar ou quando fordemitido, exonerado, quando houver impossibilidade absoluta de gozo.Ele acrescentou que, recentemente, um funcionário do TCU recebeu tambémlicença prêmio não gozada. O Lincoln está atrás de licença prêmio e oHumberto Souto, atrás das férias. Ele também entrou.

Souto disse que não tem informações precisas sobre o processo deMotta. Eu não tenho certeza absoluta. Mas acho que, se ele ganhar, seestenderá a todos os ministros. Eu fiz o requerimento na época, paranão perder o prazo de cinco anos, para não perder o direito, mas não meenvolvi mais com isso. Não estou muito interessado nisso, mas, se vier,se é um direito, tudo bem, disse o ex-ministro, que hoje é deputadofederal por Minas.

Motta explicou por que não gozou quase a totalidade das férias aque tinha direito nos quase oito anos em que esteve no TCU. Nosprimeiros anos, recebi muitos processos atrasados. E, para colocar emdia, não tirava férias. Nos últimos quatro anos, estive dois anos naPresidência e dois anos na vice. Acumulei a corregedoria e presidênciade Câmara, que tem sessão todas as semanas. Questionado sobre operíodo total a que tem direito, respondeu: São todas as férias. Nãosei exatamente quanto. Eu nunca gozei férias. Gozei alguns dias, umasemana, cinco dias. É um hábito que tenho não gozar férias. Soutoficou quase 10 anos no tribunal. Tirei algumas férias, acho que umasduas. Não é fácil porque o tribunal tem muito pouco ministro. Euacabava não tirando férias.

Eu nem sabia

O ex-presidente do tribunal afirma que desconhecia o benefícioquando estava na ativa. Eu nem sabia que havia essa possibilidade,viu? Te digo com a maior franqueza, não sabia. Fiquei sabendo dissoquando me aposentei. Estava dando como perdidas as minhas férias. Nãotirei por necessidade de serviço, tanto é que quem mais relatou nesseperíodo fui eu. Então, estou requerendo.

O processo chegou a entrar na pauta de votação há duas semanas,relatado pelo ministro Raimundo Carreiro. Mas foi retirado da pauta poracordo entre os ministros. Estão fazendo corpo mole. Eu não sei o queestá havendo no TCU. Eu fui muito duro lá, quando fui ministro epresidente. Talvez, eu esteja pagando o preço. Mas estou com a minhaconsciência tranquilíssima, comentou Motta. Carreiro não quis concederentrevista sobre o processo alegando sigilo.

O número

60

Quantidade de dias de férias anuais a que têm direito os ministros do TCU, fora o recesso de um mês no fim do ano