Título: Exportação de software é desafio para as empresas
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 30/03/2005, Especial, p. A20

A Microsiga é uma das empresas nacionais mais bem sucedidas no setor de software. Ela vende sistemas de gestão empresarial, programas de computador que facilitam tarefas do dia-a-dia como o controle dos estoques e a administração da folha de salários. Em vinte anos, a Microsiga tornou-se motivo de inveja para seus concorrentes estrangeiros. Ela lidera as vendas num segmento importante, o das pequenas e médias empresas. Gigantes que dominam esse mercado no mundo todo, como a alemã SAP, não conseguem entrar no nicho em que a Microsiga reina, por causa dos custos envolvidos na adoção de sistemas complicados como os das grandes empresas. Em fevereiro, a Microsiga deu um passo importante para manter seu quintal sob controle ao anunciar a aquisição de uma concorrente menor, a Logocenter. "Se o governo deseja ter um pólo de desenvolvimento de software relevante no país, vai precisar de empresas nacionais fortes no setor", diz o presidente da Microsiga, Laércio Cosentino. O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) entrou na operação com R$ 40 milhões e virou sócio da Microsiga após a aquisição da Logocenter. Um fundo de investimentos estrangeiro que era sócio da Microsiga desde 1999 aproveitou a chance e vendeu sua parte, realizando lucros expressivos. A fusão da Microsiga com a Logocenter é até agora o resultado mais visível das iniciativas do governo depois que a indústria de software virou alvo prioritário da política industrial. Num sinal das dificuldades que o governo encontra para lidar com esse setor, nada do que aconteceu depois produziu impacto comparável. Programas de computador viraram prioridade por duas razões principais. Assim como os fabricantes de máquinas, essa indústria tem a capacidade de disseminar ganhos de produtividade por toda a economia. Além disso, o governo admira o que a Índia conseguiu nessa área e sonha em transformar o Brasil num grande exportador de software. Para animar as duas frentes, o BNDES reformulou o Prosoft, um programa de financiamento lançado para o setor em 1997 e que não funcionava bem. As novas regras permitem que o banco empreste seu dinheiro para empresas menores realizarem investimentos e use seu poder de fogo para estimular fusões no setor. Foram aprovadas operações no valor de R$ 71,5 milhões no novo Prosoft. Mais da metade foi para levar a Microsiga e a Logocenter ao altar. O restante foi entregue a quatro firmas menores. "Fortalecer empresas brasileiras nesse setor é preservar a capacidade tecnológica desenvolvida no país", afirma o chefe do departamento de indústria eletrônica do BNDES, Júlio César Ramundo. A revisão do Prosoft também introduziu novos incentivos. Uma de suas linhas permite que empresas tomem recursos do banco para comprar programas de computador. O BNDES cadastrou 36 fornecedores, mas ainda não apareceram interessados pelos produtos que eles têm para vender. "As empresas brasileiras desconfiam do software nacional", diz Álvaro Gonçalves, diretor da Stratus, fundo de investimentos que tem participação em três pequenas empresas do setor. Também foi lançada uma linha especial para financiar exportações de software, mas daí também não saiu nenhum centavo até aqui. Existem várias oportunidades para as empresas brasileiras no terreno internacional, mas as dificuldades são enormes e ninguém tem muita clareza sobre o melhor caminho a seguir. Calcula-se que o Brasil exporta por ano algo entre US$ 100 milhões e US$ 500 milhões em software. Ninguém sabe ao certo, porque programas de computador não passam pela alfândega e o Banco Central só registra uma pequena parte das operações. A meta do governo é alcançar US$ 2 bilhões de exportações até 2007. Para alguns, as melhores chances estão na prestação de serviços de consultoria e programação para clientes americanos e europeus. "Nossa mão-de-obra é capacitada e nossos custos são competitivos com os de nossos rivais na Índia", diz Antonio Carlos Rego Gil, presidente da CPM, maior empresa nacional no segmento. "Nosso maior problema é que ninguém sabe disso lá fora." Depois de dois anos batendo de porta em porta, a CPM tem hoje dez contratos com clientes americanos. São encomendas pequenas, que servem para testar a capacidade dos seus profissionais e podem levar a contratos maiores se o serviço agradar. A empresa sabe que terá dificuldades para conservar esses clientes se no futuro eles quiserem mais. A indústria de software emprega cerca de 2 milhões de pessoas no Brasil e 150 mil profissionais são formados a cada ano na área. Seria preciso muito mais para competir com os indianos. Isso preocupa as empresas nacionais, que contratam muitos funcionários de forma terceirizada para reduzir custos e por isso têm problemas crescentes na Justiça. Exportar programas desenvolvidos no país é igualmente complicado. Nesse segmento, empresas como a Microsiga competem com multinacionais americanas e européias. "Há muitas empresas nacionais com boas idéias, mas elas precisam de musculatura para enfrentar o mercado internacional", diz a consultora Vanda Scartezini, ex-secretária de Política de Informática do Ministério da Ciência e Tecnologia. O governo fez pouca coisa nessa área até agora, além de lançar ações pontuais de promoção comercial. Uma consultoria internacional será contratada para identificar oportunidades para o país no mercado externo, mas o governo levou dez meses para definir com a indústria o formato desse estudo e a consultoria ainda não começou a trabalhar. Uma iniciativa de maior alcance surgirá em breve, com o envio ao Congresso de um projeto de lei para incentivar a exportação de software. A idéia é criar facilidades para empresas que realizarem no exterior pelo menos 80% de suas vendas. Nenhuma empresa nacional do setor alcança esse índice. O alvo do projeto são grandes multinacionais que não desenvolvem software no país.