Título: Ressuscitado o efeito Patman?
Autor: Antonio Delfim Netto
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Brasil, p. A2

No final dos anos 60, o Congresso americano promoveu um amplo estudo sobre o problema da inflação. Nele colaboraram eminentes economistas, o que deu origem a uma série de grossas publicações que revelaram o "estado da arte" naquele momento. Um congressista do Texas, Wright Patman (permaneceu no Congresso por 48 anos, até sua morte em 1976), chairman do "Joint Economic Committee" ousou dar voz à idéia popular que afirma que "é insensato tentar combater a inflação aumentando a taxa de juro. É a mesma lógica de combater um incêndio usando gasolina" (U.S. Congress, JEC - Report on the January 1970 Economic Report of the President, 1970). Da mesma forma que no Brasil de hoje, a idéia que o aumento dos juros leva a um aumento dos custos e dos preços e, portanto, a um aumento da inflação, era defendida apenas pelos sindicatos de trabalhadores e pelas organizações agrícolas e industriais dominados por pessoas "não afeitas à teoria econômica". A resposta imediata da maioria dos "portadores da ciência econômica" foi classificar a idéia como "populista" e, conseqüentemente, desqualificá-la. O problema é que ela não era tola: os "juros são um custo" e dependendo da estrutura do mercado, poderiam produzir modificações nos preços. Aliás, em meados do século XIX, Thomas Tooke já afirmara que a redução da taxa de juros deveria reduzir os preços via redução dos custos. Trata-se, como é evidente, de um problema empírico, que só pode ser resolvido pela pesquisa bem feita e cuidadosa, porque o chamado "efeito Patman" (nome dado por James Tobin) pode ser muito pequeno. A idéia foi namorada por J. K .Galbraith, o brilhante iconoclasta, em seu livro "Theory of Price Control" (1952), onde ele mostra que os efeitos das políticas monetária e fiscal dependem da "estrutura do mercado" e da "dimensão das empresas". O argumento é desenvolvido no seu artigo clássico "Market Structure and Stabilization Policy" (Review of Economic and Statistics, vol. 39, 1957: 124-133). Ele mostra que "o impacto da política monetária será diametralmente diferente para as firmas operando em regime de livre concorrência e as operando em regime de oligopólio". Nas primeiras, o efeito de curto prazo será nulo. Se a política persistir, os preços só aumentarão quando o aumento do custo marginal do capital se refletir na redução dos investimentos e na queda da produção. No caso dos oligopólios, entretanto, a transferência de custo pode ser absorvida ou passada adiante, de acordo com as circunstâncias.

As idas e vindas da teoria econômica

O "efeito Patman" foi identificado com o Partido Democrata. Em 1959, o senador William Proxmire, membro do Banking and Currency Committee, fez circular entre um grande número de economistas um questionário, cuja primeira indagação era a seguinte: "Que evidência empírica existe para suportar ou refutar a conclusão que uma política monetária forte presta-se para limitar suficientemente a inflação e compensar o maior custo dos empréstimos?" A maioria das respostas dos economistas evitava exatamente o que se queria conhecer. Os juros - diziam elas - são uma parcela pequena e sem importância nos custos totais dos negócios, o que apenas ilidia o problema. Em 1966, o grande economista monetário George Horwich publicou um artigo teórico cuidadoso, "Tight Money, Monetary Restraint, and Price Level" (The J. of Finance, Vol. XXI, 1966: 15-33). Ele apascentou o espírito dos "cientistas" com a conclusão que "a afirmação que a elevação das taxas de juros eleva os preços porque eleva os custos é, dentro do nosso enquadramento analítico, sem muita substância". Mas o problema era "empírico" e não havia como fazer calar os "populistas" a não ser com uma análise quantitativa. Em 1970, Steves Seelig, economista do Federal Reserve Bank of New York, publicou um artigo "Rising Interest Rates and Cost Push Inflation" (The J. of Finance, vol. XXIX, 1974: 1049-1061). Usou um modelo simples de mark-up e a Standard Industrial Classification (SIC) - dois dígitos, com 35 setores. Concluiu que "os insignificantes resultados econômicos e estatísticos dessa análise não suportam a hipótese que um aumento da taxa de juros leva a um aumento dos preços via a precificação por mark-up". O artigo de Seelig foi um enterro de primeira classe da tese "populista"! Mas eis que em 2001 três mágicos ensaiam uma ressurreição da tese, especulando se a política monetária poderia operar um "canal de custo" através da transferência dos custos dos estoques para os preços (Barth, M. , Ramey, V. e Evans, C. - The Cost Channel of Monetary Transmission, NBER Macroeconomics Annual, 2001: 199-249). Mas a maior surpresa é que dois economistas da Banca d´Italia (Gaiotti, E. e Secchi, A.), analisando os dados de 2 mil empresas industriais italianas durante o período de 14 anos (Is There a Cost Channel on Monetary Policy Transmission? (Temi di discussione nº 525, December 2004) chegaram à conclusão que sim. O trabalho é sério e precisa ser cuidadosamente escrutinado: "Achamos", dizem eles, "evidência robusta a favor da presença de um canal de custo na transmissão da política monetária, proporcional ao montante do capital de giro mantido por cada empresa. O canal é suficientemente forte para ter uma importância monetária não-trivial". E concluíram que "a magnitude do efeito sobre a oferta é tal que pode afetar a trajetória ótima da política monetária, possivelmente sugerindo um maior gradualismo". É assim que avança a teoria econômica!