Título: Venda de máquinas aumenta sem um projeto para o setor
Autor: Ricardo Balthazar
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Especial, p. A14

Assim como outros grandes fabricantes de máquinas, as Indústrias Romi tiveram um desempenho exuberante no ano passado. Num ano em que a economia do país cresceu 5%, suas vendas deram um salto de 38%. Ela contratou mais funcionários, lançou novas linhas de equipamentos e decidiu ampliar suas instalações para dar conta do volume crescente de encomendas. As vendas de máquinas aumentaram porque as indústrias de vários segmentos voltaram a investir, animadas com o reaquecimento da economia após tantos anos de estagnação. Os primeiros sinais de que esse processo estava em curso apareceram no segundo semestre de 2003, quando a política industrial do governo era apenas um rascunho na prancheta dos burocratas. O setor de bens de capital foi escolhido como um dos alvos prioritários da política, mas as medidas anunciadas pelo governo só começaram a ser postas em prática quando a indústria de máquinas já estava a pleno vapor. "Elas não fizeram muita diferença até agora", diz André Luiz Romi, assessor da diretoria de relações com investidores da Romi. A principal iniciativa do governo nessa área foi diminuir o peso dos impostos que incidem na aquisição de máquinas e equipamentos. Anunciadas aos poucos no ano passado, medidas como a redução das alíquotas do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) e outras facilidades podem ter representado reduções de até 15% nos preços dos bens de capital, de acordo com o Instituto de Estudos para o Desenvolvimento Industrial (Iedi).

O governo também lançou uma nova linha de financiamento para máquinas com recursos do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), o Modermaq. O programa prometia liberar R$ 2,5 bilhões em empréstimos e foi desenhado para beneficiar especialmente pequenas empresas que não tinham acesso às linhas tradicionais do Finame, o principal programa do banco para financiar a compra de bens de capital. Essas medidas ajudaram a sustentar as vendas de máquinas, mas seria um erro supervalorizar essa contribuição. Nos primeiros seis meses de operação do programa, de setembro do ano passado a fevereiro deste ano, o Modermaq aprovou empréstimos no valor de R$ 328 milhões, uma gota perto dos R$ 4,1 bilhões liberados pelas linhas tradicionais do banco no mesmo período. O Modermaq demorou para sair do papel, por causa de divergências entre o Ministério da Fazenda e o BNDES. Como ele oferece taxas de juros fixas por períodos de até cinco anos, alguém terá que cobrir a diferença se as taxas de referência do banco subirem no meio do caminho. Nem a Fazenda nem o BNDES desejavam assumir esse risco sozinhos. Combinou-se que eles dividirão o risco. Se houver um descasamento entre as taxas de juros nos primeiros dois anos do contrato, o BNDES cobrirá a diferença. Se o problema surgir nos outros três anos, a conta irá para o Tesouro. Apesar disso, a taxa do Modermaq, de 14,95% ao ano, ficou bem acima do que os idealizadores do programa queriam. Isso impediu que a linha beneficiasse muitas pequenas empresas. Ao contrário do que se previa, mais da metade dos recursos liberados pelo Modermaq foram para empresas de grande porte, que já tinham acesso às linhas tradicionais do banco mas viram nas taxas fixas do Modermaq uma vantagem. Outro problema foi a resistência dos bancos que repassam as linhas do BNDES. "Os bancos demoraram para operar o programa, porque em geral acham a taxa muito baixa para o risco de emprestar para as empresas menores", diz o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq), Newton de Mello. É uma questão antiga. Empresas como a Romi têm financiado quase metade de suas vendas oferecendo garantias em nome dos clientes. Para especialistas que conhecem bem essa indústria, a política do governo para o setor é limitada por outra razão. "No começo a idéia não era lançar apenas mais um mecanismo de financiamento para ampliar o mercado de máquinas, mas corrigir os problemas estruturais do setor", afirma o economista Roberto Vermulm, da Universidade de São Paulo, que participou do início das discussões sobre o tema. Um dos setores mais atingidos pela abertura comercial promovida na década de 90, a indústria de bens de capital tem várias deficiências no Brasil. Em geral as indústrias nacionais são pequenas empresas familiares com dificuldade para competir. Em muitos segmentos, é difícil encontrar à venda no país máquinas tão modernas quanto as que podem ser trazidas do exterior. Em algumas áreas, como na indústria gráfica e nas fábricas de embalagens, material plástico, artigos de borracha e produtos têxteis, a maior parte das máquinas adquiridas nos últimos anos foi importada. Isso é um problema para as indústrias que precisam se modernizar, porque o BNDES não financia a importação de bens de capital e muitas vezes existem barreiras à entrada de equipamentos estrangeiros. Quando o governo começou a pensar em política industrial, a idéia para o setor de máquinas era justamente criar programas que atacassem esses problemas. Muitas pessoas que acompanhavam a discussão, incluindo representantes da indústria, achavam que o governo deveria estudar o setor em detalhes e agir nos segmentos em que fossem identificadas maiores deficiências. Uma das propostas que surgiram nessa época previa a criação de mecanismos de financiamento com condições mais generosas no caso de máquinas que apresentassem inovações ou avanços significativos em relação a outros equipamentos disponíveis na praça. Mas idéias como essa foram deixadas de lado com o tempo e o Modermaq acabou tomando um rumo mais modesto. O governo decidiu que era mais interessante fazer um programa que estimulasse a renovação do parque industrial e assim disseminasse ganhos de produtividade de forma ampla, reproduzindo o sucesso alcançado no campo pelo Moderfrota, o programa oficial que financia tratores e equipamentos agrícolas. A idéia de atacar as deficiências da indústria de bens de capital no Brasil tornou-se secundária, mas não foi abandonada, segundo o governo. "Temos conversado muito com as empresas do setor e estamos estudando os vários segmentos para examinar onde vale a pena criar incentivos para a produção local", diz o superintendente da área industrial do BNDES, Carlos Gastaldoni.