Título: Garantia de nova ajuda do FMI em caso de necessidade facilitou decisão
Autor: Cristiano Romero
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Finanças, p. C2

Antes de decidir pela não-renovação do acordo com o Fundo Monetário Internacional (FMI), o governo brasileiro obteve da instituição a garantia de que, se precisar de ajuda novamente, o Brasil a terá e isso acontecerá de maneira rápida. A garantia, dada ao ministro da Fazenda, Antonio Palocci, foi objeto de intensa negociação nas últimas semanas. No início das conversações, o governo brasileiro solicitou ao Fundo Monetário que, em troca da não-renovação do acordo, o país tivesse à disposição um plano contingente de ajuda. O plano seria acionado sem exigências, automaticamente, em caso de crise. Foi batizado de "CCL light", uma alusão à expressão em inglês da linha de crédito contingente (CCL), um mecanismo criado após a crise asiática e que nunca foi utilizado por causa de suas regras, consideradas muito rígidas. O Fundo não concordou com a proposta. "O Brasil queria uma espécie de 'cheque especial', mas o FMI alegou que isso não seria possível porque seus instrumentos são de aplicação universal e o Fundo não gostaria de estender o benefício a outros países", explicou uma fonte. Tanto no governo Lula quanto no FMI havia opiniões favoráveis à renovação do acordo. No fim, o ministro Palocci obteve do Fundo o compromisso de ajuda rápida, em caso de turbulência. "Se houver uma catástrofe na economia mundial, o Brasil pode voltar e o FMI, graças às políticas que vêm sendo adotadas e ao compromisso com a estabilidade fiscal, apoiará o país de forma rápida", revelou uma fonte envolvida nas negociações. "O Brasil pode voltar ao Fundo a qualquer momento." Na diretoria executiva e na área técnica do FMI, argumentou-se que, apesar da boa situação por que passa a economia brasileira, haveria razões para o país renovar o acordo e o monitoramento aos quais vinha se submetendo desde o último trimestre de 1998. Nas conversas, foram citadas três razões. A primeira delas é o cenário internacional. Uma razão para se adotar uma postura mais prudente é o preço do barril do petróleo, que, cotado ontem a US$ 54,00, permanece em alta. O outro motivo de preocupação é a alta dos juros promovida pelo Federal Reserve (Fed), o banco central dos Estados Unidos. Na semana passada, o Fed aumentou a taxa básica de juros dos EUA para 2,75% ao ano, realizando uma correção de 25 pontos básicos. Agora, há o temor de que a instituição acelere as correções para 50 pontos básicos (0,5 ponto percentual), uma vez que, na nota que divulgou à imprensa no último dia 22, o BC americano informou que, embora as expectativas inflacionárias de longo prazo permaneçam contidas, as pressões sobre o custo de vida aumentaram nos últimos meses. Diante disso, na avaliação dos técnicos do Fundo, a economia mundial está dando sinais de intranqüilidade. As razões mencionadas pelos técnicos do FMI independem da ação do governo brasileiro, por isso, tanto integrantes do Fundo quanto da equipe econômica defenderam a renovação do acordo. Um assessor graduado ouvido pelo Valor informou que a decisão sobre a não-renovação foi tomada pelo governo brasileiro, mas a partir de uma "avaliação cuidadosa" feita "em comum" com o FMI. O grupo que sugeriu a não-renovação do acordo alegou que as dúvidas que persistiam sobre a trajetória da economia brasileira se dissiparam ao longo do ano passado. A principal delas era o comportamento da dívida, quando comparado com o Produto Interno Bruto (PIB). Em 2004, a relação da dívida/PIB caiu cinco pontos percentuais - em fevereiro, chegou a 51,3%. "Foi a primeira vez que isso aconteceu desde o primeiro acordo (firmado em 1998)", comentou um assessor do governo. Na área externa, onde sempre foram mais flagrantes as fragilidades do Brasil, e que acabaram obrigando o país a pedir socorro ao FMI, a avaliação é que a economia, com a expansão crescente das exportações, está passando por um ajuste estrutural. "Do fim do ano para cá, as reservas já cresceram US$ 13 bilhões", lembrou um assessor. Um fato mais corriqueiro - os pagamentos que o Brasil terá que fazer ao FMI neste e nos próximos dois anos - estimulou integrantes da equipe econômica a dispensarem um novo acordo. No último acerto, o país negociou empréstimo de US$ 41,4 bilhões, dos quais, US$ 25,9 bilhões foram sacados. Agora, chegou o momento de pagar essa dívida, cujo valor remanescente é US$ 23,2 bilhões. Em 2005, serão pagos US$ 7,7 bilhões. No próximo ano, serão US$ 9,2 bilhões e, em 2007, de US$ 9 bilhões. Aliviado com o fato de o Brasil ter cumprido o acordo com o FMI, uma autoridade do governo comentou ontem: "Agora, foi fácil. A escolha (de não renovar o acordo) foi boa. Não foi uma escolha de Sofia. Foi a primeira vez em que a gente teve a chance de escolher".