Título: BNDES negocia operação para reforçar o capital
Autor: Vera Brandimarte, Vera Saavedra Durão e Claudia Sa
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Finanças, p. C12

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) negocia com o Banco Central (BC), e espera fechar ainda nesta semana, uma operação de capitalização para aumentar seu patrimônio de referência, hoje de R$ 21 bilhões. A medida é crucial para ampliar os limites de crédito do banco para grandes empresas (como a Petrobras), cujos tetos já estão sendo atingidos. Um dos limites que o BNDES tem hoje é que ele não pode emprestar mais que 25% de seu patrimônio de referência para um mesmo grupo econômico. E alguns grupos estão se aproximando desse limite, justamente nessa nova fase de crescimento da economia brasileira, quando há grandes projetos à espera de financiamentos.

A operação em negociação, que depende de aprovação do Conselho Monetário Nacional (CMN), é de aumento do chamado capital de nível II ou quase capital, conforme classificação da Resolução 2.837, do BC, que define o que é considerado patrimônio de referência das instituições financeiras. Como não há espaço fiscal para uma simples capitalização da instituição com o aporte de recursos do Tesouro Nacional, dada a meta de superávit primário de 4,25% do Produto Interno Bruto (PIB) para este ano, a busca de aumento do capital social se daria pelo uso dos recursos do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT) como capital de nível II. O capital de nível II é representado por reservas de avaliação, ações preferenciais não cumulativas, dívidas subordinadas e instrumentos híbridos de capital e dívida, entre outros mecanismos e instrumentos descritos pela resolução, que não podem conter qualquer garantia oferecida pelo emissor e devem ter seu pagamento subordinado ao pagamento dos demais passivos, no caso de falência da instituição. O ex-presidente do BNDES, Carlos Lessa, bateu na tecla da capitalização por parte do Tesouro nacional durante dois anos, mas não teve sucesso. A nova diretoria da instituição buscou um caminho alternativo, que aparentemente não esbarra em restrições de controle fiscais. Segundo informações de fontes qualificadas da área econômica, no entanto, embora a demanda do BNDES esteja sendo examinada e haja alguma pressa do banco em ter uma solução, a questão não é simples. Hoje o banco já utiliza o equivalente a 50% do capital de nível I como capital de nível II representado por recursos do FAT. Ou seja, está no limite permitido pelas regras do Banco Central. Para atender à proposta da direção do banco, o Conselho Monetário Nacional teria que aprovar um voto aumentando esse limite para além de 50%. "Não há, ainda, uma decisão sobre esse assunto e ele não é uma questão simples", disse um qualificado técnico que está analisando a operação. O FAT entra como ativo da União na composição da dívida líquida do setor público e o uso intensivo desses recursos na capitalização do BNDES pode colocar em questão a contabilização desses valores no abatimento da dívida bruta. reduzir a dívida líquida como proporção do Produto Interno Bruto é a grande meta da área econômica, como garantia de bons níveis de solvência do país. Pela Constituição, 40% dos recursos arrecadados pelo FAT têm que ser destinados ao BNDES. Hoje, o patrimônio líquido de referência (PLR) do banco é formado pelo seu patrimônio líquido, de R$ 14,1 bilhões, conforme dados do balanço de 2004, mais recursos do FAT (cujo estoque no BNDES supera R$ 60 bilhões). A proposta da diretoria do banco para aumentar o patrimônio de referência seria de ampliar os recursos do FAT num limite superior ao de 50% do PL. Não se sabe qual é o percentual de aumento proposto pelo presidente Guido Mantega ao BC, mas num cálculo preliminar, para aumentar de R$ 5 bilhões para R$ 7 bilhões o limite de financiamento do BNDES às grandes empresas como Petrobras, Companhia Siderúrgica Nacional (CSN), Embraer, Usiminas, dentre outras, este percentual teria que dobrar, ou seja, passar de 50% para 100% do PL. Se isto acontecesse, o patrimônio de referência passaria de R$ 21 bilhões para R$ 28 bilhões (R$ 14,1 bilhões do patrimônio líquido mais R$ 14,1 bilhões de recursos do estoque do FAT que estão em poder do banco). A batalha pela capitalização do BNDES já é antiga e se acirrou a partir do governo Lula. No ano passado, a área financeira do banco tentou negociar uma capitalização de R$ 5 bilhões através do Tesouro, mas não conseguiu. O ministro do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, a quem o BNDES é formalmente subordinado, chegou a dizer que o banco tinha de ser capitalizado em cerca de R$ 15 bilhões. Este valor é próximo dos R$ 14,1 bilhões dos estoques de FAT a serem usados, como deseja a gestão atual do banco, sob a forma de capital de nível II se as negociações com o BC tiverem êxito. Na instituição, atribui-se essa situação ao fato de que há quase dez anos o banco transfere todo seu lucro para o Tesouro. Na gestão do então presidente Francisco Gros e, depois, na de Lessa, o banco conseguiu reter uma parte do lucro para se capitalizar. Seu patrimônio líquido, porém, pouco evoluiu nos últimos quatro anos, passando de R$ 12,3 bilhões em 2002 para R$ 14,1 bilhões em 2004. A idéia dos dirigentes era fazer o banco voltar a crescer com o aumento de seu patrimônio líquido, através de uma capitalização, permitindo o aumento dos empréstimos sem exposição excessiva a riscos. Gros, como atestam fontes da época, não acreditava em capitalização do BNDES por uma questão de geopolítica. Ele achava que não seria possível ter um banco tão grande dentro do governo federal, onde seu presidente já tem status de ministro de Estado. Mas, com um orçamento de R$ 60 bilhões, estabelecido para este ano, se não houver algum tipo de capitalização, o banco terá de administrar com sintonia fina o nível de exposição de todos os setores econômicos, como de papel e celulose e de aviação (Embraer), já com limites elevados em relação ao patrimônio.