Título: A justiça fiscal nas reformas tributárias
Autor: Alejandro C. Altamiran
Fonte: Valor Econômico, 29/03/2005, Legislação & Tributos, p. E4

A expressão justiça tributária possui várias acepções. Com esse termo podemos nos referir ao sistema judicial em seu conjunto, ao valor justiça como apetecível em qualquer decisão judicial vinculada à tributação ou ao componente axiológico de um sistema tributário em geral. Essas breves linhas apontam para a última das acepções indicadas. Se a finalidade do Estado é a busca do bem comum, é evidente que o valor justiça no ordenamento tributário deve ser um dos fins a se cumprir. As reformas tributárias seriam, assim, os canais para se lograr tais fins. Em concreto, as reformas tributárias devem tender a que o sistema impositivo seja justo, ou ao menos tender a esse objetivo, ainda que, como fala Schik, a verdade dos fatos tributários seja sempre aproximativa. Contra isso a administração tributária tem o dever de lutar, porque os cidadãos não são súditos, e sim contribuintes Agora bem: como se persegue esta aspiração de justiça do sistema? Sabemos que sempre existirão áreas tênues de questionamento, áreas duvidosas e áreas discricionárias. Refiro-me a isenções, subsídios, à interpretação econômica, à hiperinflação normativa e à extrafiscalidade, entre outros. Existem é certo, numerosos caminhos que confluem para o objetivo de lograr uma maior justiça tributária. Faço referência a alguns desses, os quais agrupo em duas categorias: materiais e formais. Entre os materiais encontramos a segurança jurídica, a legalidade, a capacidade contributiva, a igualdade e a razoabilidade. Entre os formais inserimos a necessidade de clareza na redação das leis tributárias, a recusa aos conceitos jurídicos indeterminados, a tentativa de evitar à obscuridade normativa e a simplificação da complexidade do sistema tributário. Repassemos em suma tais caminhos, que são, fundamentalmente, obrigações do Estado para que o contribuinte as cumpra: a) Privilegiar o valor segurança jurídica, essencial ao ordenamento, que, ademais, é indispensável para gerar um adequado clima de negócios para que as economias cresçam em benefício da população (ainda que este valor esteja desprestigiado na Argentina, a Corte Suprema da nação têm reconhecido como de hierarquia constitucional); b) Cumprir sem reservas com o princípio da legalidade: se a lei prevê um imposto, tem este que ser arrecadado - a lei é, portanto, autorização e obrigação para o Estado; c) Cumprir o princípio de igualdade da imposição, ou seja, todo ordenamento jurídico deve expulsar dos sistemas as diferenças ou exceções odiosas, as desigualdades manifestas e sem fundamento; d) O princípio de capacidade contributiva deve inspirar a tributação. Esta é uma mensagem para o legislador, que tem a obrigação de cumpri-la, conquanto não queira incorrer em justiça tributária. Os contribuintes assumem seu rol de funções de sua potencialidade econômica individual real e concreta; e) Atendimento à razoabilidade e inteligência na eleição dos impostos. O meio empresarial não persegue medidas de compensação social ou de redistribuição da riqueza entre as empresas. Em princípio, um imposto sobre as empresas deve ser neutro em prol da competição, ou seja, baseado em um modelo proporcional e progressivo; f) Aspirar clareza na redação das normas tributárias. A legislação tributária deve imperiosamente ser clara e simples, pois se trata de uma condição essencial do Estado de direito; g) Evitar os conceitos jurídicos indeterminados, que são a fonte onde repousa a discricionariedade e a arbitrariedade; h) Evitar a obscuridade normativa, pois o mínimo que se pode esperar de uma norma é que esta seja clara, pois afirma a sensação de segurança jurídica; i) A crescente complexidade do direito tributário, como também o aumento do número de contribuintes, conspira contra o trabalho da administração tributária, a qual tropeça com maiores dificuldades. Isso se resolve evidentemente com a educação e formação tributária de juízes, contribuintes e administradores. Em conclusão, para que uns não paguem, outros têm que pagar tributo, o que não é justo. Os contribuintes têm que modificar a mentalidade, pois muitas vezes se julga a evasão fiscal como um pecado menor, às vezes, inclusive, como um esporte nacional. Pode se afirmar que os funcionários da administração tributária não têm o dever de arrecadar todos os impostos possíveis com qualquer tipo de meio empregados. O ideal é se tutelar o direito tributário, o qual possui obrigações de duas vertentes: desde a perspectiva do contribuinte até a perspectiva do Estado. Como afirmou Charles Evans Hughes, quando presidente da Suprema Corte americana: "Vivemos sob uma Constituição, todavia a Constituição é o que os juízes dizem o que ela é." Esta célebre expressão nos indica que o controle judicial é o único apto a resolver as situações de injustiça. Ele se logra, em nossos países, que tem uma dificuldade em apegar-se ao direito, através do tempo, com muito esforço, educação, recursos e capacitação dos contribuintes, da administração, dos membros do Poder Judiciário e também do Legislativo, o qual também deve estar capacitado para tanto.