Título: Governo evitará, no BC, o erro da MP 232
Autor: Claudia Safatle
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2005, Brasil, p. A2

No Palácio do Planalto, a visão é clara: se o governo insistir na aprovação de algum projeto que assegure autonomia operacional ao Banco Central, enfrentará uma avalanche oposicionista do PSDB e PFL, entre outros, e verá empresários fazendo manifestações públicas contrárias, assim como fizeram com a Medida Provisória 232 (que ao corrigir a tabela do Imposto de Renda aumentou uma série de outros impostos). Há quem considere que hoje o BC tem autonomia demais para aumentar os juros. Isso sem contar que o PT não tem a menor simpatia pela idéia. É freqüente encontrar no partido do governo quem defenda abertamente que a Receita Federal, a Polícia Federal e o Banco Central são importantes instrumentos políticos do Estado, dos quais governo algum pode abrir mão. Não há, hoje, quem aconselhe o presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, a tocar essa empreitada, exceto o ministro da Fazenda, Antônio Palocci. Mas Palocci também decidiu enviar a MP 232 ao Congresso sem consultar os ministros da Agricultura, Roberto Rodrigues, e do Desenvolvimento, Luiz Fernando Furlan, cujas áreas foram afetadas, e o ministro-chefe da Casa Civil, José Dirceu, por onde, normalmente, passam todos os atos antes de serem encaminhados ao Legislativo. "E deu no que deu", comentou ao Valor um ministro de Estado. Ele avalia que Palocci, no caso da MP 232, ouviu demais os técnicos da Secretaria da Receita Federal e superestimou seu prestígio, empurrando o governo para uma situação de alto risco no Congresso. Mesmo José Dirceu, que chegou a concordar com a proposta de autonomia do BC, hoje a desaconselha enfaticamente, não pelos seus méritos, mas pelas delicadas condições políticas do governo no Parlamento. Ele fez esse alerta a Lula na mesma reunião em que o governo decidiu prescindir de um acordo com o Fundo Monetário Internacional a partir de agora. Na defesa do fim do acordo com o FMI, Palocci advogou a necessidade de o país continuar sob severo programa fiscal e perseguir o aprimoramento institucional. O projeto de autonomia do BC, que constou de todos os parâmetros estruturais dos acordos com o FMI de 1998 para cá, seria um desses aprimoramentos necessários para aumentar a credibilidade da política econômica. Palocci, agora, trabalha contra o relógio. Com a autonomia, o compromisso do BC com a preservação do valor da moeda e, portanto, com metas de inflação baixas, não estaria sob questionamento ou pressão política. Aliás, a questão da independência dos bancos centrais surgiu, no mundo, da constatação de que os políticos, em geral, buscam a reeleição e, para isso, tendem sempre a adotar políticas monetárias expansionistas (com taxas de juros baixas) e pró-emprego, no curto prazo, mesmo que às custas de mais inflação. Colocar no Banco Central uma diretoria com mandato fixo e não coincidente com o do presidente da República, para cumprir metas explícitas de inflação, seria uma forma de proteger a sociedade contra populismos dessa natureza, cujos efeitos, depois, é ela quem paga.

Em 40 anos, BC teve dois de autonomia

O fato, porém, é que desde que esse assunto assumiu importância, no início dos anos 90, depois de um processo de profundas transformações das relações entre Banco Central, Banco do Brasil e Tesouro Nacional, os presidentes da República não se comprometeram com a idéia. Fernando Henrique Cardoso não apoiava a autonomia e costumava dizer que era ele próprio a segurança de autonomia do BC. Lula a garante de fato, assim como FHC o fez, mas não está seguro da necessidade de torná-la de direito. O Banco Central do Brasil completou 40 anos, ontem, tendo vivido apenas dois curtos anos de certa autonomia. Criado pela lei nº 4.595, de 31 de dezembro de 1964, e instalado em 1º de abril de 1965, depois de vinte anos de discussão no Congresso, seu modelo híbrido - de banco central com funções de banco de fomento - foi produto da composição das forças políticas da época. Nasceu com autonomia moderada, com mandato fixo para seu presidente, mais longo do que o do presidente da República, e assim seguiu de 1965 a 1967. Costa e Silva presidente e Delfim Netto ministro da Fazenda, aboliram a autonomia em 1967, fortalecendo a estrutura da Fazenda. Mas só em maio de 1974, com a Lei nº 6.045, é que os mandatos fixos foram revogados, sob o argumento do então ministro Mário Henrique Simonsen, de que a lei só regularizava uma situação que já existia. A Constituição de 88, a separação definitiva do BB e do BC e a transferência de várias funções do BC para o Tesouro Nacional, foram tornando o Banco Central do Brasil mais próximo dos modelos dos bancos centrais clássicos, dedicados exclusivamente a cuidar da moeda. Faltaria, assim, o passo final, que é a aprovação de um projeto de lei complementar que assegure mandato fixo à diretoria do BC para que a política monetária (o manejo da taxa de juros), possa ser executada sem constrangimentos políticos, comprometida apenas com a meta de inflação e podendo ser flexível dentro do que o regime de metas comporta. Há, agora, uma última tentativa em curso, que seria uma forma de contornar as resistências no Congresso: jogar o assunto na ordem do dia do debate no Congresso e marcar que a autonomia só passaria a vigorar em 2007, para o novo presidente da República. Nessa linha, Palocci combinou com o líder do PMDB no Senado, Ney Suassuna (PB), que apresentasse proposta de emenda constitucional e um projeto de lei complementar tratando do tema. Estes foram apresentados no dia 16 e encaminhados à Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado. Mas quem entende de articulação política, no governo, não tem a menor esperança de que essa estratégia vá adiante. Enquanto isso, porém, o debate vai amadurecendo, impulsionado principalmente pela argumentação de que a autonomia pode ajudar o BC a reduzir mais rapidamente a taxa de juros básica e o país, a ganhar alguns pontos no prêmio de risco, como demonstra a experiência dos países que adotaram um BC independente.