Título: Produtividade recua no 4º trimestre de 2004
Autor: Sergio Lamucci e Denise Neumann
Fonte: Valor Econômico, 01/04/2005, Brasil, p. A3
A economia brasileira registrou um ganho significativo de produtividade em 2004: 3,54%, o maior em dez anos. Esse resultado, contudo, esconde uma redução acentuada do ritmo de crescimento do indicador ao longo do ano, de acordo com estudo da MCM Consultores Associados, que considera a produtividade total e em todos os setores e não apenas do trabalho na indústria. Depois de mostrar expansão anualizada de 5,8% no quarto trimestre de 2003 e de 5,6% no primeiro trimestre do ano passado, a produtividade perdeu força nos trimestres seguintes, encerrando 2004 com uma queda de 0,1% entre outubro e dezembro. Para o economista-chefe da MCM, Celso Toledo, a trajetória do indicador em 2004 é um alerta importante. Seu temor é que o recuo do quarto trimestre seja um sinal de um ciclo futuro de menos investimento. "A produtividade antecede o investimento", argumenta. "E ela é a única coisa que sustenta o crescimento de longo prazo", acrescenta. Toledo avalia que os juros reais elevados, na casa de 13%, podem explicar a queda da produtividade no quarto trimestre de 2004, embora reconheça que seja difícil definir com precisão o que ocorreu. Ele nota que o Produto Interno Bruto (PIB) também desacelerou com força ao longo do ano passado, fechando o último trimestre com crescimento anualizado de 1,7%, bem abaixo dos mais de 7% do primeiro trimestre. Toledo calculou a produtividade total dos fatores na economia com base nos dados do PIB divulgados pelo IBGE. Ele utilizou a série de investimentos para obter uma estimativa do estoque de capital e tomou o crescimento da População Economicamente Ativa (PEA) para a evolução do fator trabalho. A produtividade, lembra ele, é uma medida de eficiência com que se combinam os fatores de produção (capital e trabalho). Toledo lembra que, de 1980 a 2003, o crescimento médio da produtividade foi zero. A partir do fim de 2003, o indicador mostrou uma evolução favorável, o que ele atribui a uma combinação de fatores. Um dos mais importantes são os ganhos de produtividade de empresas exportadoras, devido ao ajuste do câmbio nos últimos anos. A maior abertura da economia também é um fator fundamental, assim como as recentes mudanças no mercado de crédito. Por fim, Toledo avalia que a adoção, pelo governo Lula, de uma política econômica ortodoxa foi importante por afastar o temor de que, ao assumir o poder, o PT faria mudanças drásticas na condução do país. Nesse cenário, a produtividade cresceu com força entre o quarto trimestre de 2003, quando teve expansão anualizada de 5,8%, e o terceiro trimestre do ano passado, quando houve aumento de 2,7%. O desempenho no quarto trimestre é o que mais preocupa Toledo, que também mostra desconforto com a desaceleração do indicador ao longo do ano passado. Para ele, a queda de 0,1% da produtividade parece estar relacionada ao nível dos juros reais (acima da inflação). Toledo acha que o BC exagerou na dose de aperto monetário. Para ele, era necessário elevar a Selic, mas o BC passou da conta. Em vez de os juros altos afetarem a demanda, há o risco de que a ampliação da capacidade de oferta da economia seja afetada. No final do ano passado, o investimento caiu, o que também sugere perda de dinamismo da produtividade - no quarto trimestre, a formação bruta de capital fixo, que mede investimentos na construção civil e em máquinas e equipamentos, recuou 3,9% em relação ao terceiro, em termos dessazonalizados. O professor Samuel Pessôa, da Escola de Pós-Graduação em Economia da Fundação Getúlio Vargas (FGV), aponta um outro motivo para a desaceleração da produtividade ao longo de 2004. Para ele, o indicador no curto prazo tem uma relação direta com a utilização de capacidade instalada na economia. À medida que há um aumento da capacidade instalada, a produtividade tende a diminuir. O resultado do quarto trimestre, porém, lhe parece algo transitório. Se os investimentos continuarem a ocorrer, como parece possível, a oferta na economia tende a seguir crescendo, o que deve abrir espaço para a recuperação da produtividade. No geral, Toledo e Pessôa vêem um quadro mais favorável para a produtividade nos próximos anos do que nos últimos, embora existam obstáculos a um crescimento mais robusto do indicador. Além dos juros reais estratosféricos, Toledo aponta a carga tributária elevada como o principal fator estrutural que impede a decolagem da produtividade no Brasil, por elevar o custo das empresas. De qualquer modo, Pessôa diz que houve avanços significativos nos últimos anos, como a abertura da economia a partir dos anos 90 e uma maior estabilidade dos preços. Para ele, a lei de falências e a reforma do Judiciário são mudanças recentes que tendem a impulsionar a produtividade nos próximos anos, principalmente se conseguirem reduzir o custo do crédito no país. Ele considera possível um aumento anual de 1,5% do indicador, o que elevaria as perspectivas de crescimento sustentado do Brasil. Toledo diz que, de 1980 a 2003, o Brasil cresceu uma média de 2% ao ano, num período em que a produtividade ficou estável. Se de fato o indicador passar a mostrar expansão sustentada de 1,5% ao ano, isso tenderia a garantir a elevação do crescimento potencial - aquele que não causa pressões inflacionárias nem desequilíbrios nas contas externas - para a casa de 3,5%. É um número baixo, diz Toledo, reconhecendo as dificuldades em se definir qual é de fato esse percentual de crescimento não inflacionário.